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SOLENIDADE DE SANTA MARIA, MÃE DE DEUS (P. Lucas, scj)

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Caros irmãos, no primeiro dia do ano novo, celebramos a solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus, e a liturgia nos convida a rezar com os relatos dos acontecimentos que ainda se referem ao dia do Natal e da circuncisão de Jesus (cf. Lc 2,16-21). Rezemos ao Senhor, pela intercessão da Bem-aventurada Virgem Maria, que cresçamos na união com Jesus Cristo a partir da meditação constante de Seus mistérios.

Em primeiro lugar, lembremo-nos que Maria é realmente Mãe de Deus, não porque fora ela a origem da natureza divina de Jesus, mas porque Ele, o Cristo, é uma pessoa divina – o Filho eterno – que se encarnou. Cremos que Jesus Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem conforme o dogma de Calcedônia e, uma vez que Maria é Sua Mãe, podemos chamá-la com toda segurança de Mãe de Deus. Ao mesmo tempo, este título nos mostra quão grande é esta nossa Mãe celestial: de fato, para vir ao mundo, Deus fez uma morada digna de Si e ela se chama Maria. Agradeçamos ao Senhor pelo imenso poder e misericórdia manifestados na santíssima Virgem.

No texto evangélico, por sua vez, Maria surge, para nós, como modelo de meditação. Lemos, na realidade: “quanto a Maria, guardava todos estes fatos e meditava sobre eles em seu coração” (Lc 2,19). Em meio aos acontecimentos – e dificuldades – daqueles dias extraordinários, ela não estava dispersa, mas tinha o coração concentrado nos mistérios de Deus que se realizavam e meditava sobre eles continuamente. Isso nos ajuda a lembrar o quanto precisamos estar atentos e dedicar tempo para, na presença do Senhor, deter-nos sobre a Sua Palavra e Suas ações. Façamos, portanto, deste ano novo, uma virada para uma vida imersa na presença de Deus a partir da oração meditada.

Ó Pai, envia-nos o Espírito Santo para que Ele nos guie na meditação dos mistérios da vida de Teu Filho Jesus Cristo! Maria santíssima, Mãe de Deus, e São José, nosso protetor, dai-nos a Graça da intimidade com Jesus.

Sub tuum præsidium confugimus.
sancta Dei Genitrix:
nostras deprecationes
ne despicias in necessitatibus:
sed a periculis cunctis libera nos semper,
Virgo gloriosa et benedicta.

Santa Maria, Mãe de Deus: Lc 2,16-21 – Não a fez deusa, mas a quis Mãe

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Por Dom André Vital Félix da Silva, SCJ.

Ainda ressoa aos nossos ouvidos a solene proclamação do evangelho da noite de Natal: “Quando completaram-se os dias para o parto, Maria deu à luz o seu filho primogênito” (Lc 2,7). É justamente este o momento no qual se cumpre plenamente a palavra do anjo: “Eis que conceberás e dará à luz um filho” (Lc 1,32); e no alegre anúncio do Anjo do Senhor aos pastores, também, se confirma que uma mulher deu à luz: “Encontrareis um recém-nascido” (Lc 2,12). Portanto, não há dúvidas de que essa mulher, Maria, a esposa de José, que hoje recordamos na liturgia, é verdadeiramente mãe. Porém, afirmar simplesmente a sua maternidade não justificaria fazê-lo numa liturgia, pois a liturgia não é quadro de avisos nem muito menos lugar de anúncio de efemérides, mas é o espaço reservado exclusivamente para o louvor e a adoração de Deus. Destarte, a fim de que não se fira o espírito e a natureza do culto divino, faz-se necessário afirmar quem é esse filho que dela nasceu, e o fazemos proclamando a verdade de que Maria é Mãe de Deus. Consequentemente, tal proclamação de fé nos conduz ao centro do mistério fundamental do Cristianismo: Jesus, verdadeiramente homem e verdadeiramente Deus, é o Verbo Eterno que é Deus desde sempre e que, na plenitude do tempo, se encarnou no seio de uma mulher de verdade, Maria, que por sua vez, é verdadeiramente a sua mãe. 

No seio de Maria, a divindade se uniu à humanidade, o Deus invisível tornou-se visível. Portanto, ela é aquela que deu à luz um menino que é Deus. Já no momento da anunciação, antes mesmo de ser concebido, o anjo Gabriel já afirmara que este menino seria chamado Jesus. Nome que lhe foi dado oficialmente oito dias depois do seu nascimento por ocasião da circuncisão, que mais do que rito de declaração de pertença a um povo, foi a ocasião do anúncio do que Ele iria realizar pelo seu povo, isto é, a salvação. Ainda que este nome signifique “Deus salva” (Mt 1,21), ele poderia ser interpretado como mais um nome de uma longa tradição marcadamente religiosa que costuma relacionar pessoas, coisas e lugares à divindade (Bet-El: casa de Deus; Isra-El: luta com Deus). Contudo, as palavras do mensageiro celeste não deixam espaço para esse tipo de consideração, pois tal nome não é um simples título de honra ou uma homenagem aos deuses, mas é a realidade de uma pessoa: “Será grande, será chamado filho do Altíssimo…O Santo que nascerá de ti será chamado filho de Deus” (Lc 1,32.35). 

Para não haver dúvidas sobre a realidade divina deste menino que vai nascer, o Espírito Santo se encarregou de confirmá-la pela boca de Isabel quando esta gritou: “Donde me vem a graça que a Mãe do meu Senhor me visite?” (Lc 1,43). Não se dirigiu a Maria apenas com gestos de cordialidade de quem recebe em casa uma parenta estimada, mas a sua reação foi de verdadeira reverência religiosa que reconhece a grandiosidade daquela maternidade, pois o filho carregado naquele ventre é o Senhor (Kyrios na Bíblia grega é utilizado para Deus). Portanto, antes mesmo que a Igreja proclamasse o Dogma da maternidade divina de Maria, a própria revelação da Sagrada Escritura já dava testemunho disso. 

O reconhecimento desta verdade de fé proclamada solenemente como dogma pelo Concílio de Éfeso (431 d.C., Teotokos: aquela que deu à luz Deus), está em plena sintonia e coerência com o fundamento da nossa fé: Jesus é verdadeiramente Deus e homem. Afirmar que Maria é Mãe de Deus não é fazer dela uma deusa, mas reconhecer que Deus ao encarnar-se quis ter uma mulher por mãe. E a verdade da encarnação exige que ela seja uma mãe humana, de carne e osso. Caso contrário, de onde o Verbo tomaria a carne que ele assumiu ao fazer-se um de nós?

Como mulher, Maria, apesar de ser Mãe de Deus, não deixou ser humana. Por isso, precisou caminhar na fé, sobretudo quando não compreendia o que nela estava se realizando: “Guardava esses fatos e meditava sobre eles em seu coração”. Portanto, apesar de ter sido chamada para ser mãe do Filho de Deus, não exigiu para si status que a colocasse acima dos outros seres humanos, pelo contrário, assumiu para si a condição de escrava do Senhor. Pois este Senhor, filho seu, também esvaziou-se de sua condição e fez-se servidor de todos. Mais uma confirmação da verdade da maternidade divina.

O sinal que os anjos indicaram aos pastores a fim de que pudessem reconhecer o Salvador foi justamente aquilo que fez a Mãe logo após dar à luz: “encontrareis um recém-nascido envolto em faixas deitado na manjedoura” (Lc 2,12). Nestes gestos da Mãe podemos ver uma profecia que anuncia quem é este recém-nascido. Envolvendo-o em faixas antecipa a sua morte, como a mulher de Betânia que ungindo os seus pés com perfume, prepara-o para a sepultura. A mãe depositando-o na manjedoura, prepara-o para ser alimento: carne e sangue dados para a salvação do mundo. Gestos que não se perderam no tempo, pois foram conservados como memorial do Filho no coração da sua Mãe: “guardava e meditava no coração”. Memorial que se atualiza em cada eucaristia celebrada pela Mãe Igreja obediente à Palavra do seu Salvador: “Fazei isto em minha memória” (Lc 22,19). Afirmar que Maria é Mãe de Deus é um dos modos mais coerentes de dizer que acreditamos que o homem Jesus, o seu filho, é Deus. Crer que Maria é Mãe de Deus é acreditar que a Eucaristia é verdadeiramente a carne e o sangue do filho de Deus, pois foi isto que Ele assumiu da humanidade para nos entregar a sua divindade.

Fonte: https://www.dehonianosbre.org.br/homilias/santa-maria-mae-de-deus–lc-2-16-21–nao-a-fez-deusa-mas-a-quis-mae

SAGRADA FAMÍLIA DE JESUS, MARIA E JOSÉ (P. Lucas, scj)

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Caros irmãos, o domingo na oitava de Natal é dedicado à Sagrada Família de Jesus, Maria e José. Neste Ano C, a liturgia nos apresenta Jesus, ainda criança, no Templo em Jerusalém: Ele permanece em meio aos mestres, escutando e fazendo perguntas (cf. Lc 2,41-52). Rezemos ao Senhor, pedindo por nossas famílias.

Em primeiro lugar, notemos que o mistério do Natal de Jesus Cristo nos aponta para um dado que não poderia passar despercebido: quando Deus irrompeu na história, Ele quis vir numa família – e numa família simples. É claro que a Sua vinda poderia ter acontecido de diversas formas, mas, parafraseando Chesterton, podemos nos perguntar: que há de mais extraordinário que uma família comum? Não nos deixemos enganar: ter uma família santa, simples e escondida aos olhos do mundo, não é um projeto qualquer – é algo digno de Deus!

Em seguida, o evangelho de hoje nos dá a oportunidade de contemplar a harmonia da Sagrada Família de Nazaré. Pois na dificuldade, ou seja, quando Maria e José se deram conta que Jesus não estava na caravana e decidiram voltar a Jerusalém, o evangelista não mostra nenhum tipo de desavença entre o casal: ao contrário, na aflição, eles procuraram o Menino sem descanso até encontrá-lo (cf. Lc 1,44-46). Que bela lição! Que os casais de hoje procurem viver mais sua vocação de buscar o Senhor do que apontar defeitos e procurar culpados para as inevitáveis dificuldades. Além disso, naquela família cresceu o Deus-Menino obediente (cf. Lc 1,51). Que mistério grandioso! De fato, àqueles que se dispõem a servi-lo na humildade, Jesus mesmo prometeu servi-los (cf. Lc 12,37-38): Ele promete e cumpre. Perseveremos, portanto, no serviço de Nosso Senhor e Ele nos dará muito mais do que pedimos, porque nos dará a Si mesmo.

Ó Pai dá-nos o Espírito Santo da humildade para acolher e servir ao Teu Filho Jesus Cristo! Maria santíssima, Mãe de Deus, e São José, nosso protetor, ensinai-nos a viver nossa vocação.

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Festa da Sagrada Família: Lc 2,41-52 – A Sagrada Família: a realidade do ideal

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Por Dom André Vital Félix da Silva, SCJ.

Estamos em clima de festas natalinas, porém a liturgia nos recorda constantemente que o centro de toda a vida da Igreja é o Mistério Pascal de Cristo, que ilumina toda a sua vida e missão. Portanto, nada da vida de Jesus pode ser compreendido senão à luz da sua morte e ressurreição. Pois estes são os acontecimentos fundamentais da revelação de que Ele é o Filho de Deus, nascido numa família humana na plenitude dos tempos para salvar a humanidade (Gl 4,4). A Festa da Sagrada Família, muito bem situada na Oitava do Natal, evidencia ainda mais a verdade da encarnação. De fato, o Verbo Eterno, assumiu a nossa condição de humanos. E nada mais humano do que uma família, por isso, Ele, mesmo sendo Eterno Deus, tomou para si a nossa carne, compartilhando de tudo o que é nosso: “Pois Ele mesmo foi provado em tudo como nós, com exceção do pecado” (Hb 4,15).

O evangelho proclamado nesta festa (Ano C) é a última parte da longa introdução que Lucas faz nos dois primeiros capítulos do seu evangelho a fim de anunciar os grandes temas que tratará ao longo da sua obra. Geralmente os exegetas chamam esses dois primeiros capítulos de “Evangelhos da Infância”. Um gênero literário que, à luz dos acontecimentos da paixão, morte e ressurreição de Jesus, ajuda a reler os fatos da sua infância, dando-lhes um caráter profético; uma vez compreendidos na sua profundidade, anunciam que o Messias esperado, o descendente de Davi, nascido em Belém, é o Cristo morto e ressuscitado. Como o evangelho não é uma biografia de Jesus, mas o anúncio alegre daquilo que Ele ensinou e realizou como Filho de Deus feito homem, não podemos simplesmente ler estes acontecimentos da sua infância como um mero “diário de bordo”, nem muito menos concebê-los como um registro fotográfico de fatos distantes da sua tenra idade. Por isso, esses dois primeiros capítulos só têm sentido se nos ajudarem a ler todo o evangelho. Por outro lado, só a veracidade da paixão, morte e ressurreição de Jesus nos ajudará a reconhecer a verdade desses acontecimentos narrados por Lucas no princípio do seu evangelho.

O primeiro e fundamental tema evocado nessa perícope é a Páscoa: “Seus pais iam todos os anos a Jerusalém para a festa da Páscoa”. A Lei obrigava a “Três vezes ao ano todo varão comparecer diante de Javé” (Festa da Páscoa, Semanas e Tendas: Dt 16,16). Ainda que a cada ano se dirigissem a Jerusalém para cumprir este preceito, esta vez se reveste de uma caráter todo especial: “Quando o menino completou doze anos”. Na tradição dos judeus o menino e a menina quando atingem esta idade (precisamente 12 anos para a menina e 13 para o menino) devem passar pela cerimônia judaica do Bar Mitzvah (filho do mandamento) que marca a passagem de um garoto à vida adulta. A partir dessa idade, ele assume sua maioridade religiosa e passa a ter responsabilidades perante sua comunidade e suas tradições. Antes da festa, por período que pode chegar a um ano, o garoto estuda a língua hebraica e a Torá. Na cerimônia, ele realiza sua primeira leitura pública de um texto sagrado. Daí a admiração de José e Maria quando encontram o seu filho entre os doutores, não apenas lendo, mas interrogando-os. A admiração é também dos doutores da Lei e “todos que o ouviam ficavam extasiados com a sua inteligência e as suas respostas”.  

O evangelista não diz o conteúdo da discussão. Porém, não seria forçoso pensar que o tema da páscoa estivesse no centro dos debates. Mais adiante, no relato da Transfiguração de Jesus, Lucas é o único a especificar sobre o que o Mestre, Moisés e Elias (Representantes da Torá e dos Profetas) conversavam: “Falavam de sua partida (grego: Êxodos) que iria se consumar em Jerusalém” (Lc 9,30-31). Portanto, a Páscoa para Lucas não é simplesmente o memorial da saída do Egito, mas a realização plena da ação libertadora de Deus em favor do seu povo que se dá justamente no final do evangelho quando Jesus realiza a sua páscoa: “Desejei ardentemente comer esta páscoa convosco” (Lc 22,15). 

Como a comunidade dos discípulos passa a angústia de sua ausência por três dias entre a sua morte e ressurreição, assim também Maria e José antecipam esta experiência pascal de morte e vida, de perda e reencontro quando retornando de Jerusalém se dão conta que o menino Jesus não está com eles e apenas “Três dias depois o encontraram no Templo”. Assim como a morte e a ressurreição de Jesus tornam-se a chave de interpretação de toda a Escritura: “E, começando por Moisés e por todos os profetas, interpretou-lhes em todas as Escrituras o que a ele dizia respeito”, a experiência pascal de José e Maria tornou-se momento de revelação da missão do seu Filho: “Por que me procuráveis? Não sabíeis que devo estar na casa de meu Pai?”. Contudo, afirma Lucas: “eles não compreenderam a palavra que ele lhes dissera”, pois há um longo caminho pela frente a ser percorrido que exige mais do que tentativa de compreensão. É necessário ter atitudes de confiança, obediência (escuta da Palavra) para reconhecer quem é Jesus. Enquanto não se faz o seu caminho até a cruz e ressurreição, estaremos sujeitos a perdê-lo de vista. Ainda que a aflição tome o nosso coração pela constatação de o termos perdido, a decisão de retomar o caminho de busca nos fará perceber que ele está próximo e caminha conosco, abrindo nossos olhos e aquecendo o nosso coração, a fim de prossigamos a nossa estrada “com grande alegria” (Lc 24,52). Que tanto a experiência pascal de Maria e José, como a dos discípulos de Emaús nos convençam de que é possível reencontrar o Senhor!

Fonte: https://www.dehonianosbre.org.br/homilias/festa-da-sagrada-familia–lc-2-41-52–a-sagrada-familia–a-realidade-do-ideal

Dia do Natal do Senhor: Jo 1,1-18 – A sua casa não ficou vazia!

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Por Dom André Vital Félix da Silva, SCJ.

O Prólogo do Evangelho de João que meditamos neste dia do Natal do Senhor não é apenas uma introdução (pro-logos) ao IV Evangelho, mas constitui a mais alta síntese de toda a Escritura, pois apresenta o seu cumprimento. Tudo aquilo que foi anunciado no Antigo Testamento pela Palavra de Deus, que agora se fez carne, alcança a sua realização plena. Nos dois primeiros versículos, João ao usar a expressão “No princípio”, não nos remete a um aspecto puramente cronológico para indicar o que havia no início de tudo, ou mesmo como tudo teve começo, mas retomando o Livro do Gênesis, cuja primeira expressão é idêntica à do Prólogo, o nosso autor nos faz mergulhar no grande mistério do amor de Deus que, ao chamar à existência tudo o que criou, anunciou o seu projeto de vir morar nessa bela casa que Ele mesmo construiu. Contudo, não quis apenas habitar entre os seres que criou, como um estranho, mas armando a sua tenda naquele ser que foi criado à sua imagem e semelhança. Com esta expressão (“No princípio”), João relembra aos seus leitores o vínculo indissolúvel e a interdependência dos dois Testamentos, pois o Novo não descarta nem torna obsoleto o Antigo, nem o Antigo se basta a si mesmo sem o Novo.

A tradução da expressão hebraica (bereshit: em princípio) pode incorrer numa distorção semântica se se considerar apenas o aspecto cronológico (início, começo), mas o seu alcance vai para além disso. Uma única palavra no hebraico (bereshit) formada por três outras (be: em/ rosh: cabeça/ it: indica uma abstração) aponta para o ato criador de Deus como o fundamento de tudo, não apenas assinala o começo de uma história. Diz-se aqui que a Palavra criadora de Deus era em princípio (grego: arché), esse princípio sustenta tudo e a tudo dá sentido. Portanto, sem a Palavra tudo vira ou continua caos e confusão, perde-se a razão. Por isso, afirma-se: “Era a luz de verdade, que, vindo ao mundo, ilumina todo ser humano”. Um ser humano que vem ao mundo mas não se encontra com a luz de verdade, permanece no caos e confusão primordiais, não alcança a plenitude de vida. Jesus afirma: “Eu vim para que todos tenham vida e vida em plenitude” (10,10).   

Este tema da luz perpassa toda a Sagrada Escritura: desde Gn 1,2: “Haja luz” até o Ap 22,5: “Não se precisará mais da luz da lâmpada, nem da luz do sol, porque o Senhor Deus brilhará (grego photosei: iluminará) sobre eles”. Para o Antigo Testamento a associação da luz com a Palavra de Deus é evidente: “Tua Palavra é lâmpada para os meus pés, e luz para o meu caminho” (Sl 118,105). Para João, esta luz é o próprio Jesus que afirma: “Eu sou a luz do mundo, quem me segue não andará nas trevas, mas terá a luz da vida” (8,12). Por outro lado, apesar de a luz brilhar intensamente, há quem a rejeite: “Veio para os seus, mas os seus não o receberam”. Contudo, as trevas não conseguiram aprisionar a luz. Pela fé, os que se deixam iluminar pela luz de verdade “recebem o poder de se tornarem filhos de Deus”, porque o Filho de Deus, a Palavra eterna: “Se fez carne e habitou entre nós”. Ainda que a construção sintática permita distinguir as duas ações (fazer-se carne e habitar), não podemos separá-las, pois o habitar entre nós se deu no momento que essa Palavra se fez carne, assumiu a nossa condição. O próprio Paulo nos esclarece que a nossa vida aqui é como um habitar em tendas, que um dia serão desfeitas: “Sabemos que, se a nossa morada terrestre, esta tenda, for destruída, teremos no céu um edifício, obra de Deus, morada eterna, não feita por mãos humanas” (2Cor 5,1). Jesus, nessa mesma perspectiva, fala do seu corpo (a tenda que assumiu) como o templo que mesmo destruído, será erguido definitivamente em três dias (cf. 2,19). 

Este tema da tenda que a Palavra, ao encarnar-se, arma entre nós e em nós (grego: en ´umin) une o Natal ao Mistério Pascal. Pois a revelação mais alta de quem é esse Verbo eterno, que assumiu a nossa condição, recebeu um nome: Jesus Cristo, através do qual “nos vieram a graça e a verdade”, se dará na sua hora quando a sua glória se manifestar. Glória já antecipada na Bodas de Caná: “Manifestou a sua glória e os seus discípulos creram nele” (2,11). Vale salientar que esse sinal é chamado de princípio (arché) dos sinais. Portanto, o fundamento de toda a obra de Jesus é manifestação da sua glória a fim de que vejamos e creiamos nele. Esta glória, porém, é consequência da sua fidelidade ao Pai que o sustenta até a cruz: “Que direi, Pai, salva-me desta hora? Foi precisamente para esta hora que eu vim. Pai glorifica o teu nome!” (12,27-28). Ver a manifestação da glória de Jesus para dela participar, exige de nós reconhecer que o recém-nascido da manjedoura é o mesmo que foi pregado na cruz. Assim como anjos cantam glória na noite de Natal, também no sepulcro do ressuscitado anunciam a boa nova de que Ele não está mais ali. Que a celebração do Natal renove em cada um de nós a certeza de que o Verbo eterno armou sua tenda em nós, e que esta tenda, ainda que desfeita, não pode ser destruída, pois tem uma sustentação, a sua cruz, pois o recém-nascido, que reclinado na manjedoura, iluminou o mundo com o seu nascimento, salvou o mundo manifestando a sua glória pregado na cruz.

Fonte: https://www.dehonianosbre.org.br/homilias/dia-do-natal-do-senhor–jo-1-1-18–a-sua-casa-nao-ficou-vazia-

NATAL DE NOSSO SENHOR JESUS CRISTO (P. Lucas, scj)

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Caros irmãos, com grande alegria, celebramos o Natal de Jesus Cristo, nosso Senhor e, na Missa da noite, a liturgia nos oferece, para nossa contemplação e oração, o relato do nascimento de Jesus segundo S. Lucas (cf. Lc 2,1-14). Abramos, sem medo, nosso coração para receber a extraordinária manifestação do amor de Deus por nós: Seu Filho encarnado.

Este período do ano é marcado por uma alegria difusa, por vezes, ingênua. Alguns atribuem esta alegria à “magia do Natal”; outros, às férias; outros ainda, à esperança de “que tudo se realize” no ano novo que bate às portas… Mas, e nós, cristãos, por que estamos alegres? Por que nos reunimos nesta noite para fazer festa? O profeta Isaías, na primeira leitura, aponta para o motivo do nosso júbilo: “todos se regozijam na tua presença” (Is 9,2b). Sim, meus irmãos! Uma Presença é nossa alegria! Ele veio até nós, como luz que brilha na escuridão afugentando o medo e iluminando a estrada, o caminho. Nele, “a graça de Deus se manifestou trazendo salvação para todos os homens” (Tt 2,11 – segunda leitura). Naquele Menino reconhecemos o Deus todo-poderoso que, por nos amar tanto, veio ser Emanuel – Deus conosco.

Dessa forma, como naquela noite santa, cada um de nós precisa escolher se abre ou não as portas da nossa hospedaria, do nosso coração, para acolhê-lo. Que tragédia seria que não nos abríssemos ou não tivéssemos espaço para Ele… É possível, porém, que, mesmo querendo recebê-lo, não possamos oferecer-lhe algo muito mais digno que uma manjedoura… Mas, se Jesus não rejeitou nascer naquela situação não nos deixará pela nossa miséria; ao contrário, Ele nos transformará completamente. Uma coisa, porém, Ele precisa: que abramos as portas do nosso coração para que Ele possa entrar. “Não tenhais medo de Cristo! Ele não tira nada, ele dá tudo. Quem se doa por Ele, recebe o cêntuplo. Sim, abri de par em par as portas a Cristo e encontrareis a vida verdadeira”. [1]

Ó Pai dá-nos o Espírito Santo para que tenhamos coragem de abrir nosso coração esteja aberto a Teu Filho Jesus Cristo! Maria santíssima, Mãe de Deus, e São José, nosso protetor, levai-nos sempre à presença de Jesus.

Sub tuum præsidium confugimus.
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Virgo gloriosa et benedicta.

[1] Bento XVI, Homilia de sua Santidade na Santa Missa de imposição do pálio e entrega do Anel do Pescador para o início do Ministério Petrino do Bispo de Roma.

Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo: Lc 2,1-14 – No silêncio de uma manjedoura, a Palavra que necessitamos ouvir

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Por Dom André Vital Félix da Silva, SCJ.

A noite santa do Natal do Senhor nos convida, na contracorrente do barulho ensurdecedor do mundo, a silenciar para ouvir a Palavra que pode nos fazer compreender o que nos traz a verdadeira felicidade e paz, palavras mais do que nunca ditas nessa noite quando trocamos nossos cumprimentos de boas festas. Apesar de todos os cenários das vitrines comerciais compostos pelo mundo do mercado para lembrar que o “natal do consumismo” chegou, só o evangelho é capaz de comunicar a verdade do Natal. Enquanto se vai ao natal do mercado para gastar, inclusive o que não se tem, na manjedoura tudo é dom gratuito, não é qualquer presente, mas a presença de Deus, que quis ser chamado Emanuel, Deus-conosco.  

Enquanto o decreto do Imperador confirmava o seu domínio político e econômico sobre todo “o mundo habitado”, pois com o recenseamento fazia-se o controle de pessoas e de seus respectivos bens, a palavra do Anjo do Senhor aos pastores: “Não tenhais medo! Eis que eu vos anuncio” (grego: euangelizomai: evangelizar) irrompe como palavra de libertação, a boa-nova da verdadeira paz; ao invés de um decreto autoritário que ordena, faz-se a proclamação da chegada de um novo tempo: “hoje nasceu para vós um Salvador”, marcando profundamente este novo início com uma alegria indizível não apenas para um pequeno grupo, mas “para todo o povo”. Nascendo em Belém, nas periferias do centro de poder religioso (Jerusalém) e distante do poder político (Roma), este recém-nascido é, na verdade, o herdeiro do seu pai Davi, o qual fora escolhido para ser rei por ser, antes de tudo, um pastor: “Escolheu a Davi, seu servo, tirou-o do aprisco das ovelhas; da companhia das ovelhas fê-lo vir para apascentar Jacó, seu povo, e Israel, sua herança” (Sl 78,70-71).

Se o dogma do Imperador tornava o povo apenas uma cifra numérica, fácil de manipular e explorar, a proclamação da Palavra do Cristo-Senhor, a Boa-nova, será dirigida a pessoas concretas, com suas caraterísticas, necessidades e condições reais: “Porque Ele me ungiu para evangelizar os pobres, enviou-me para proclamar a remissão aos presos e aos cegos a recuperação da vista, libertar os oprimidos e proclamar um ano de graça do Senhor” (Lc 4,18-19; Is 61,1-2). É Boa-nova que se contrapõe ao dogma imperial, pois denuncia a palavra oficial do imperador que torna os pobres cada vez mais pobres, com altos tributos e impostos, que reforça as cadeias dos presos, símbolo da incompetência de quem governa sem se comprometer com a edificação da fraternidade, mas apenas com os seus interesses espúrios, favorecendo somente condições para a marginalização e a criminalidade. 

Porém, é o recém-nascido que terá a Palavra misericordiosa capaz de libertar, no hoje de Deus, os presos de suas piores amarras, pois tem autoridade de afirmar: “Hoje mesmo estarás comigo no paraíso” (Lc 23,43). O decreto autoritário de César Augusto não produz nenhuma realidade de bem verdadeiro (Shalom) para o povo, pois mantém os dominados sob um forte aparato policial a fim de impedir toda e qualquer manifestação contrária à sua ordem estabelecida (Pax Romanae). Mas é a Palavra do recém-nascido que indicará o caminho para a verdadeira paz, a qual se constrói com atitudes concretas de compromisso com o Reino de Deus, e não com discursos evasivos e estéreis.

Neste mundo marcado pela violência do poder autoritário, da guerra de informações que cria o caos destruidor, das demagogias dos que querem se passar por benfeitores da humanidade com discussões cínicas e pérfidas, urge silenciar para ouvir o que o recém-nascido, no seu silêncio e no seu choro pueril, quer nos dizer. De fato, Ele é a nossa paz. E esta paz trazida pelo recém-nascido reclinado na manjedoura não se confunde com a paz da ideologia do império, pois não é sentimentalismo alienante, mas fogo trazido à terra, resultado de um batismo que recebeu, a sua morte na cruz (Lc 12,49-50). Paz como resultado de um conflito assumido, enfrentado e, portanto, vencido, mesmo que provoque divisão e separação: “Pois pensais que vim estabelecer a paz sobre a terra? Não, eu vos digo, mas uma divisão” (Lc 12,51). Destarte, o louvor dos anjos na noite de Belém: “Glória a Deus nas alturas, e paz na terra aos homens que ele ama”, não é expressão sentimental diante de uma cena romântica, mas anúncio profético de que Deus realizará o seu projeto plenamente quando o recém-nascido, envolto em faixas e reclinado na manjedoura, tiver sido “envolto num lençol e colocado numa tumba talhada em pedra” (Lc 23,53), e, vencendo a morte, Ele mesmo proclamará: “A paz esteja convosco” (Lc 24,36). Anúncio que não é um dogma de poderosos mundanos, mas manifestação da Glória do Onipotente das Alturas, que enviou o seu Filho, nascido entre nós, motivo e razão de grande alegria e que nos faz vencer todo medo. E meio a tantas indecisões, inseguranças, medo e temor, precisamos silenciar para ouvir no mais profundo do nosso coração: NÃO TENHAM MEDO! NASCEU PARA NÓS O SALVADOR!!!

Fonte: https://www.dehonianosbre.org.br/homilias/natal-de-nosso-senhor-jesus-cristo–lc-2-1-14–no-silencio-de-uma-manjedoura-a-palavra-que-necessitamos-ouvir

QUARTO DOMINGO DO ADVENTO – Ano C (P. Lucas, scj)

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Caros irmãos, no quarto domingo do Advento (Ano C), a liturgia nos propõe o evangelho da visitação de Maria a Isabel (cf. Lc 1,39-45). Oremos pedindo ao Senhor que aumente em nós a fé e a faça sempre mais ativa de modo que amemos e sirvamos a Deus em nossos irmãos.

“Bem aventurada aquela que acreditou, porque será cumprido, o que o Senhor lhe prometeu” (Lc 1,45), diz Isabel à Virgem Imaculada que pouco tempo antes receberá a visita do arcanjo Gabriel e concebera do Espírito Santo. Nessa bem-aventurança reconhecemos um traço essencial do coração de Maria: ela corresponde plena e fielmente às promessas de Deus e, assim, nela, Ele pode agir livremente cumprindo aquelas mesmas promessas.

O Senhor, nosso Deus, mantém essa mesma dinâmica quando age em nossa vida: Ele nos chama a fazer parte de Seu projeto de amor e redenção; nós, por nossa vez, somos convidados a seguir o exemplo da Virgem Maria correspondendo com fé ao amor de Deus. Esta fé, que tem por base a Graça de Deus, sustenta nossa esperança e se torna ativa na caridade fraterna exercida diariamente em pequenas e corriqueiras circunstâncias. Entreguemo-nos, portanto, de todo coração ao Amor Redentor que nos transforma inteiramente para que ele também toque o coração daqueles que convivem conosco.

Ó Pai dá-nos crescer na fé para que Espírito Santo transforme nosso coração à medida de Teu Filho Jesus Cristo! Maria santíssima, ensina-nos a perseverar no nosso sim a Deus! São José, nosso protetor, fazei-nos íntimos de Jesus.

Sub tuum præsidium confugimus.
sancta Dei Genitrix:
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ne despicias in necessitatibus:
sed a periculis cunctis libera nos semper,
Virgo gloriosa et benedicta.

IV Domingo do Advento – Lc 1,39-45: Advento: a tão esperada e surpreendente visita

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Por Dom André Vital Félix da Silva, SCJ.

Geralmente, pensamos o Advento como tempo de espera, de preparação, de aguardo. Mas a palavra pode ser também compreendida como chegada, visita. Muitas de nossas experiências são marcadas profundamente por este aparente paradoxo: esperar por aquilo que já está presente. Para uma mãe que aguarda o seu filho nascer, a expectativa é grande, ela deseja ansiosamente que este momento chegue. Mas o seu filho tão aguardado não virá de longe, não é um ausente, pois está já dentro dela. Um doente que em alguns momentos faz a experiência da angustiante solidão de um quarto de hospital ou mesmo em casa, não vê a hora de ser liberado o momento da visita para receber os seus parentes, amigos e conhecidos. Contudo, só será capaz de suportar a ausência se a esperança de ver alguém chegar for fortalecida pela certeza de ser amado; tal experiência deve ser sempre cultivada no presente, ainda que se viva em expectativa.

Como sabemos, Lucas com peculiar maestria escreveu o seu evangelho a partir do testemunho de pessoas que vivenciaram muitos dos acontecimentos que ele relata (“Conforme no-los transmitiram os que, desde o princípio, foram testemunhas oculares e ministros da Palavra”, Lc 1,2). 

Porém, o seu valioso trabalho não foi recolher fotografias para compor um álbum, pois ficaria apenas com a aparência dos fatos, nem muito menos memorizar informações para depois transcrevê-las de modo frio e mecânico. Mas cada cena apresentada pelo evangelista é verdadeiramente algo a ser contemplado, e não simplesmente uma ideia para ser assimilada. Portanto, a visita de Maria a Isabel nos coloca num horizonte vastíssimo, que transcende as regiões montanhosas da Judeia e alcança toda a história de Israel e todas as expectativas da humanidade. O tema da visita de Deus marca a grande expectativa do povo de Israel no Antigo Testamento. Porém, o Deus que vem visitar o seu povo está sempre presente cuidando do seu rebanho (Ex 3,16: “De fato, vos tenho visitado…”). No Novo Testamento, o tema retorna com mais força ainda, pois testemunha que a visita de Deus se dá com o Profeta Jesus: “Um grande profeta surgiu entre nós e Deus visitou o seu povo” (Lc 7,16). 

A cena da visitação nos apresenta as características dessa visita de Deus a seu povo. Tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, “visitar” é mais do que “ir ver”. Dentre as várias possibilidades de tradução (hebraico: paqad; grego: episkeptomai), o verbo traduzido por visitar tem conotação de cuidar, intervir em benefício de alguém, verificar, escolher. Portanto, eis as características da visita (presença cuidadora) de Deus evidenciadas no encontro das duas mães:

Maria pôs-se a caminho às pressas”: Deus vem ao nosso encontro constantemente. Ele mesmo toma a iniciativa e abre caminho, não espera que o acaso favoreça, mas decididamente (às pressas) não perde tempo, pois todo tempo é tempo de fazer-se presente. Ainda que nos tire do nosso comodismo, nos desperte do nosso sono para percebermos a sua presença.

Maria saudou Isabel…e Isabel ficou repleta do Espírito Santo”: Não se diz o conteúdo da saudação de Maria, pois saudação (desejo de bens) não se reduz a palavras bonitas, mas exige atitudes de solidariedade, pois não só Isabel se alegra ao ouvir, mas a criança no seu ventre testemunha a presença Daquele cuja vinda ele mesmo anunciará. 

Donde me vem que a mãe do meu Senhor me visite”: Se a visita não for expressão de gratuidade, tornar-se-á uma obrigação que esvazia e torna pesado o encontro. A visita de Deus é sempre surpreendente, apesar de desejada, contudo não pode ser exigida. Será sempre um grande bem oferecido, jamais um favor atendido.  

Bendita és tu (mãe). Bendita a que acreditou (crente)”: As duas grandes bem-aventuranças de Maria, proclamadas por Isabel, sintetizam o que representa o seu ser “Serva do Senhor”. Como Mãe, prestou o grande serviço a Deus, acolhendo-o no seu ventre, e nos seus braços (viveu sob seus cuidados: visitar é “ter cuidado com”). Como Crente, presta o grande serviço à humanidade, que vive momentos de solidão por falta de fé. Pois só a fé testemunha a certeza de uma presença: “É uma posse antecipada do que se espera” (Hb 11,1).

Maria exclamou: Minha alma engrandece… Meu espírito exulta…”: Visita é sempre motivo de alegria, pois a presença que nos preenche ajuda-nos a fazer a experiência da superação da solidão, o que nos leva naturalmente à gratidão. Contudo, a gratidão não pode ser apenas ao visitante pela sua gentileza e cordialidade. Se assim o fosse, tudo estaria terminado com uma despedida, retornando à situação anterior de vazio. Mas a vivência de uma verdadeira visita permite ao visitante e ao visitado unirem-se de tal forma que os bens ora compartilhados tornam-se motivos para a grande gratidão. Gratidão perene Àquele que quer ser o nosso permanente hóspede e, portanto, mesmo na ausência de todos, alegra-nos com a sua presença. Pois nos favorece sempre o seu advento.

Fonte: https://www.dehonianosbre.org.br/homilias/iv-domingo-do-advento–lc-1-39-45–advento–a-tao-esperada-e-surpreendente-visita


Com o esplendor da alma, iluminas a graça do teu corpo

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Do livro sobre a virgindade, de Santo Ambrósio, bispo.

Tu, uma dentre o povo, uma da plebe, sem dúvida, uma das virgens que com o esplendor da alma iluminas a graça do teu corpo, – e por isso és uma imagem fiel da Igreja! – em teu leito, durante a noite, medita sempre em Cristo e aguarda sua chegada a todo o momento.

Eis o que  Cristo deseja de ti, eis por que te escolheu. Ele entra, já que a  porta está aberta; não pode faltar, pois prometeu que viria. Abraça aquele que procuravas; aproxima-te dele e serás iluminada; segura-o, roga-lhe que não parta logo, suplica-lhe que não se afaste. Porque o Verbo de Deus corre, não se deixa deter pelo tédio ou por negligência. Que tua alma vá encontrá-lo em sua palavra; segue atentamente a doutrina celeste, porque ele passa depressa.

Que diz a esposa do Cântico dos Cânticos? Procurei-o e não o encontrei; chamei-o e não me respondeu (Ct 5,6). Se partiu tão depressa aquele que chamaste, a quem suplicaste e a quem abriste a porta, jaó julgues ter-lhe desagradado. Muitas vezes ele permite que sejamos postos à prova. Afinal, o que disse no Evangelho às multidões que lhe pediam para não se afastar? Eu devo anunciar a palavra também a outras cidades, porque para isso é que fui enviado (Lc 4,43). Mas, se te parece que se afastou de ti, sai e procura-o novamente.

Quem deve te ensinar como reter o Cristo, senão a santa Igreja? Ou melhor, já ensinou, se compreenderes o que lês: Mal eu passei pelos guardas, diz, encontrei aquele que meu coração ama; retive-o e não o deixarei partir (Ct 3,4).

Com que laços se retém o Cristo? Não é com laços de injustiça nem com nós de corda, mas com laços da caridade, com as rédeas do espírito e pelo afeto da alma.

Se queres também reter o Cristo, tenta fazê-lo e não tenhas medo dos sofrimentos. Pois, não raro, é no meio dos suplícios do corpo, nas mãos dos perseguidores, que o encontramos mais facilmente.

Mal eu passei pelos guardas, diz. De fato, num breve espaço de tempo, num instante, ao te livrares das mãos dos algozes, sem sucumbir aos poderosos do mundo, Cristo virá ao teu encontro e não mais permitirá que se prolongue o teu sofrimento.

Aquela que assim busca a Cristo e o encontra pode dizer: Retive-o e não o deixarei partir, até que tenha introduzido na casa de minha mãe, no quarto daquela que me concebeu (Ct 3,4). Qual é a casa de tua mãe e o quarto senão a intimidade mais profunda do teu ser?

Guarda bem esta casa, limpa todos os seus recantos. Assim, quando ela não tiver nenhuma mancha, se erguerá como morada espiritual, fundada sobra a pedra angular, para ser um sacerdócio santo, e o Espírito Santo nela habitará.

Aquela que assim busca a Cristo, que assim lhe suplica, não será por ele abandonada; ao contrário, será visitada por ele com frequência, pois está conosco até o fim do mundo.

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