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QUINTO DOMINGO DA QUARESMA – Ano A (P. Lucas, scj)

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Caros irmãos, em nosso caminho quaresmal já rezamos, nos últimos dois domingos, com os símbolos batismais da água e da luz. Neste quinto domingo, então, nosso itinerário se completa com Jesus que se nos apresenta como ressurreição e vida (cf. Jo 11,1-45). Peçamos ao Senhor a graça de ressuscitarmos nele para uma vida nova!

Jesus Cristo cumpre a profecia de Ezequiel (cf. Ez 37,12-14, primeira leitura) porque, como disse a Marta, Ele é a ressurreição e a vida. E acrescentou: “Quem crê em mim, mesmo que morra, viverá. E todo aquele que vive e crê em mim, não morrerá jamais” (Jo 11,25-26). Dessa forma, no último sinal apresentado pelo evangelista João antes da sua Lazaro1hora, nosso Senhor dá a conhecer completamente a sua missão: Ele veio trazer a Vida.

Porém, dois mil anos depois, estamos aqui provando, mais uma vez, o poder da morte. E muita gente finalmente se deu conta que é mortal, que “a figura deste mundo passa” (1Cor 7,31). Mais ainda: muitas pessoas descobriram que não têm um porquê – ou melhor, por quem – arriscar a própria vida. A terrível politização das questões de saúde através de argumentos maquiavélicos, histéricos ou demagógicos está escancarando o materialismo e o individualismo com os quais estamos naufragando enquanto sociedade e, assim, devemos nos perguntar: é esta a vida que o Senhor quer para nós? Ou melhor: qual vida Jesus nos trouxe?

Penso que encontramos a resposta na segunda leitura: Cristo nos deu o Seu Espírito e, n’Ele, a Vida nova, a vida em Deus (cf. Rm 8,8-11). Não se trata de uma utopia, pois ela está realmente presente e resplandece nos santos. Também não se trata de um privilégio, porque está disponível a todos: somos chamados a vivê-la na esperança que se tornam operativas na caridade. Para tanto, precisaremos suportar as angústias da morte do homem velho a fim que o medo de arriscar e perder não feche nosso coração à graça da fé. É crendo no Amor por nós crucificado que Deus encontra espaço para agir em nós e transformar a nossa vida.

Irmãos, por fim, recordemos aquela imagem tremenda da última sexta-feira. Nela, vimos o doce Cristo na Terra cumprindo a sua missão e nos trazendo aquilo que precisamos desesperadamente e mais do que nunca – ele nos trouxe Deus (o Deus vivo e verdadeiro) e, assim, nos deu esperança. “Crês isto?” (Jo 11,26). “Porque sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?” (Mc 4,40).

Que a Santíssima Virgem Maria, nossa Mãe, e São José, nosso protetor, intercedam por nós e nos impulsionem no nosso caminho de conversão.

Sub tuum præsidium confugimus.
sancta Dei Genitrix:
nostras deprecationes
ne despicias in necessitatibus:
sed a periculis cunctis libera nos semper,
Virgo gloriosa et benedicta.

 

V Domingo da Quaresma: Jo 11,1-45 – Incredulidade: a doença mortal

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Por Dom André Vital Félix da Silva, SCJ.

A liturgia desse V Domingo nos apresenta a última catequese sobre o batismo: a ressurreição de Lázaro; no mistério da morte daquele que crê, o anúncio da vitória da vida que não morre. Assim como na cura do cego de nascença (IV Domingo) apareceram os verdadeiros cegos, aqui se revelam quem são os verdadeiros doentes e que arriscam morrer verdadeiramente. A doença de Lázaro serve para: “A glória de Deus, para que o Filho de Deus seja glorificado por ela”, porque é ocasião para Jesus revelar que há uma doença mais grave na vida do ser humano do que os males físicos: a incredulidade, pois esta sim pode levar à morte eterna, e só crendo Nele, o ser humano poderá ser curado dessa enfermidade letal. A incredulidade não é apenas a não crença numa divindade ou a não aceitação de um credo religioso, mas representa algo mais mortal para o ser humano, é a recusa do amor de Deus, “que tanto amou o mundo que entregou o seu Filho único, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3,16). A rejeição ao amor de Deus é uma das marcas do nosso tempo. Na base de todo desamor (ódio, violência, injustiças etc.) está a ausência da experiência de ser amado. Lázaro é o símbolo do homem que, apesar de sua doença, é amado por Deus. Quando as irmãs mandam dizer a Jesus que ele estava doente não o identificam com o seu nome (Lázaro), mas com uma expressão que indica a condição de todo ser humano: “Aquele que amas está doente”.

Como é difícil para o mundo de hoje reconhecer essas duas grandes verdades: por um lado, a doença da incredulidade, por outro, o amor de Deus que é capaz de curá-la desse mal, e garantir não apenas a saúde do corpo para alguns anos aqui na terra, mas a vida que não morre, cujo ápice é a ressurreição, a plenitude da vida. Da parte do ser humano basta crer nesse amor, o mais Deus já fez: “Não há maior prova de amor do que dar a Lazarus,_Russian_iconvida” (Jo 15,13). A necessidade urgente de contemplar o crucificado não é impulso masoquista de uma religião alienante, mas a condição imprescindível para fazer a experiência de um amor, que não se acovarda para provar que é verdadeiro.

Até chegar ao túmulo de Lázaro, o morto que não morreu, Jesus vai encontrando muitos outros doentes (incrédulos) que estão morrendo, cujos sintomas vão se evidenciando nos vários personagens da narração. O primeiro sintoma manifesta-se nos discípulos: “Mestre, ainda há pouco os judeus queriam apedrejar-te, e agora vais outra vez para lá?”, é o medo-covarde que toma o coração dos discípulos. Choca reconhecer que os primeiros da lista dos doentes são os próprios discípulos. O medo da morte para quem não tem fé já é a morte antecipada. Infelizmente hoje, também, há muitos que se dizem cristãos, mas na hora de seguir os passos do Mestre, rejeitado e condenado à morte por causa de sua fidelidade à verdade, acovardam-se e decidem por outra estrada. Se a morte nos lança uma penumbra de incertezas, a luz de Cristo rompe a escuridão e nos garante que a morte física é apenas uma passagem como a noite é vencida pela luz do amanhecer: “Se alguém caminha de dia, não tropeça, porque vê a luz deste mundo”.

A palavra de Jesus inicia, nos discípulos acovardados e medrosos, o processo de cura; não é por acaso que aquele, cuja incredulidade foi definitivamente sanada após o encontro com o Senhor ressuscitado, tome a palavra e dê o primeiro passo da fé: “Tomé disse então aos outros discípulos: ‘Vamos também nós para morrermos com ele!’”.

Marta e Maria, mesmo demonstrando certa fé em Jesus, passam pelo momento da dúvida: “Se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido”. A fé questiona, mas não deixa dúvidas, pois indica o caminho. A dúvida (do latim: dubitare, oscilar entre duas partes; grego: distadzo, ficar em dois caminhos) paralisa, por isso Maria está prostrada (“ficou sentada em casa”), não consegue caminhar até Jesus porque tem dúvidas. Contudo, a sua irmã Marta, tendo sido desafiada por Jesus a vencer a dúvida pela fé: “Crês isto? Sim, Senhor, eu creio”, vai chamá-la a fim de que se levante (grego egeiro: levantar, mesmo verbo para ressuscitar) e tome a estrada em direção ao Mestre, abandone o seu sepulcro e tenha vida.

Outro sintoma da incredulidade é a falta de esperança: os judeus, apesar de terem ido à casa de Marta e Maria para consolá-las, não foram capazes de infundir-lhes esperança, não conseguiram enxugar as lágrimas das enlutadas, mas pelo contrário choravam com elas aumentando o clima de desespero. Diante de tantos sinais de incredulidade, a reação de Jesus: “Estremeceu interiormente… E Jesus chorou”. Não é coerente pensar que o choro de Jesus se deu pelo fato de estar inerte diante do túmulo de um amigo amado agora defunto, pois ele sabia que iria ressuscitá-lo; a certeza da ressurreição já era suficiente para vencer a tristeza da morte, por isso Jesus não precisava chorar. Portanto, a indignação de Jesus (comoveu-se interiormente, grego: enebprimésato en pneumati, encolerizar-se em espírito) é mais do que uma tristeza emocional, mas um repúdio diante da incredulidade assim como Jesus chorou ao ver Jerusalém, que não reconheceu o dia da sua visita (Lc 19,41s). Portanto, é a incredulidade, a recusa de Deus e do seu amor que provoca o choro de Jesus.

Contudo, para esta doença há esperança de cura, pois o Pai ouve sempre o Filho, e este é o desejo do Filho: “que todos tenham vida e vida em abundância” (Jo 10,10). Na oração de Jesus à porta do sepulcro se consolida toda a nossa esperança de cura: “Pai, dou-te graças”. Jesus não pede para que algo aconteça, abrindo espaço para dúvidas, mas agradece por aquilo que vai acontecer, por isso utiliza o verbo eucharisto (daí Eucaristia: memorial da paixão, morte e ressurreição do Senhor). Assim chegamos ao ponto mais alto de nossa preparação quaresmal: o anúncio da morte e ressurreição de Cristo, o grande sinal dado por Deus de que nos ama, a grande ajuda (Lázaro significa “Deus ajuda”) para vencermos a incredulidade e termos vida plena. Todo batizado foi curado da doença da incredulidade, mas para que não adoeça precisa vencer a tentação da incredulidade. Celebrar a Eucaristia, alimento dos batizados, é dar a resposta: “Sim, eu creio que tu és o Cristo, o Filho de Deus que devia vir ao mundo”, cuja missão é testemunhar que Deus nos ama. E, por isso, a permanente pergunta do Senhor a nós: “Crês isso!”.

 

Fonte: https://www.dehonianosbre.org.br/homilias/v-domingo-da-quaresma–jo-11-1-45–incredulidade–a-doenca-mortal

O SACRAMENTO DA NOSSA RECONCILIAÇÃO

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Das Cartas de São Leão Magno, papa.

A humildade foi assumida pela majestade, a fraqueza, pela força, a mortalidade, pela eternidade. Para saldar a dívida de nossa condição humana, a natureza impassível uniu-se à natureza passível. Deste modo, como convinha à nossa recuperação, o único mediador entre Deus e os homens, o homem Jesus Cristo, podia submeter-se à morte através de sua natureza humana e permanecer imune em sua natureza divina.

Por conseguinte, numa natureza perfeita e integral de verdadeiro homem, nasceu o verdadeiro Deus, perfeito na sua divindade, perfeito na nossa humanidade. Por “nossa humanidade” queremos significar a natureza que o Criador desde o início formou em nós, e que assumiu para renová-la. Mas daquelas coisas que o Sedutor trouxe, e o homem enganado aceitou, não há nenhum vestígio no Salvador; nem pelo fato de se ter Ícone - Anunciação 02irmanado na comunhão da fragilidade humana, tornou-se participante dos nossos delitos.

Assumiu a condição de escravo, sem mancha de pecado, engrandecendo o humano, sem diminuir o divino. Porque o aniquilamento, pelo qual o invisível se tornou visível, e o Criador de tudo quis ser um dos mortais, foi uma condescendência da sua misericórdia, não uma falha do seu poder. Por conseguinte, aquele que, na sua condição divina se fez homem, assumindo a condição de escravo, se fez homem.

Entrou, portanto, o Filho de Deus neste mundo tão pequeno, descendo do trono celeste, mas sem deixar a glória do Pai; é gerado e nasce de modo totalmente novo. De modo novo porque, sendo invisível em si mesmo, torna-se visível como nós; incompreensível, quis ser compreendido;existindo antes dos tempos, começou a existir no tempo. O Senhor do universo assume a condição de escravo, envolvendo em sombra a imensidão de sua majestade; o Deus impassível não recusou ser homem passível, o imortal submeteu-se às leis da morte.

Aquele que é verdadeiro Deus, é também verdadeiro homem; e nesta unidade nada há de falso, porque nele é perfeita respectivamente tanto a humanidade do homem como a grandeza de Deus.

Nem Deus sofre mudança com esta condescendência da sua misericórdia nem o homem é destruído com sua elevação a tão alta dignidade. Cada natureza realiza, em comunhão com a outra, aquilo que lhe é próprio: o Verbo realiza o que é próprio do Verbo, e a carne realiza o que é próprio da carne.

A natureza divina resplandece nos milagres, a humana, sucumbe aos sofrimentos. E como o Verbo não renuncia à igualdade da glória do Pai, também a carne não deixa a natureza de nossa raça.

É um só e o mesmo – não nos cansaremos de repetir – verdadeiro Filho de Deus e verdadeiro Filho do homem. É Deus, porque no princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus: e o Verbo era Deus. É homem, porque o Verbo se fez carne e habitou entre nós (Jo 1,1.14).

QUARTO DOMINGO DA QUARESMA – Ano A (P. Lucas, scj)

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Cristo e o cego

Caros irmãos, já vimos que a liturgia da Quaresma deste ano A nos insere, nós que já fomos batizados, num itinerário renovação das graças batismais. Assim, Jesus, que no domingo passado se revelou como fonte de água viva, se revela como luz do mundo (cf. Jo 9,1-41) neste IV Domingo, também chamado Lætare, portanto, da alegria. Que a Luz do Senhor dissipe as trevas do nosso coração!

Em primeiro lugar, notemos que, mais uma vez, é salientada a iniciativa de Deus: o então cego desde o nascimento nem mesmo pede a cura, como o fez Bartimeu (cf. Mc 10,46-52) – Jesus simplesmente o vê, o unge com barro (sinal da recriação) e o cura através do banho de água (cf. Jo 9,1.6). Ninguém se antecipa ao Amor do Senhor. A luz de Cristo nostoca e abre-nos para crer (cf. Jo 9, 38). Em seguida, creio, é preciso que vivamos o momento atual sob esta mesma Luz. Afinal, é sempre tempo de corresponder ao amor de Deus! E podemos fazer isso agora, em meio à presente pandemia. Para tanto, proponho dois exercícios: o confronto e o encontro.

Confrontar significa “pôr ou ficar frente a frente” [1]. Infelizmente, não estamos acostumados a encarar nossos problemas… Quantas vezes, quando temos algo que nos desagrada, procuramos algum subterfúgio para esquecê-lo? Pois bem, muitas das nossas vias de fuga, por força das graves circunstâncias atuais, estão simplesmente fechadas. Então, por que não desligamos a TV (isso ajudará, inclusive, a não entrarmos num pânico que, além de desnecessário, não ajuda em nada) e encaramos a realidade? A nossa realidade: que somos frágeis criaturas, finitas e mortais, e não existe algum bem material que nos seja capaz de nos dar segurança diante dos inimigos invisíveis (sejam eles o vírus chinês ou satanás e seus demônios); que precisamos de uma Luz que nos ilumine e dissipe nossas trevas dando sentido à nossa vida; e que esta Luz existe, nos é transcendente, ou seja, não vem de nós, mas de um Outro. Confronto. Parece-me que encarar é melhor que tentar se distrair.

E isso nos levará a encontrarmo-nos: conosco mesmos, com Deus e com nossa família. Quanto tempo faz que não olhamos para o nosso coração? Temos, agora, uma oportunidade ímpar para um exame de consciência profundo, feito na presença do Salvador misericordioso, e que nos faça ver não só nossos limites, erros e pecados, mas também nossos valores, dons que o Senhor nos deu. E, assim, encontrarmos o doce Hóspede de nossa alma. Pois, embora Ele jamais nos esteja ausente, é, por vezes, esquecido. Mas Ele está no meio de nós! O Senhor não nos abandona. Ao contrário: nos dá a luz da fé que nos abre ao seu Amor infinito e absoluto e, dessa forma, nos sustenta e impulsiona a cada instante. Por fim, temos ainda a oportunidade de encontrarmo-nos com a nossa família e perceber que amá-la é mais que dar-lhe coisas: é darmo-nos, é dar tempo, é estarmos presentes. Se você não pode ir à igreja neste domingo, faça do seu lar aquilo que ele é: Igreja doméstica; e redescubra a poderosa fecundidade da oração feita em família. É o dia do Senhor, santifique-o! Não o jogue fora pela janela da TV!

Resta ainda uma pergunta: quando tudo isso passar, seremos melhores ou piores que antes? (Em outras palavras, estaremos mais próximos ou mais distantes daquilo que o Senhor nos criou para ser) Como disse, ainda nessa semana, P. Júlio Ferreira: que a saudade que hoje sentimos da divina Eucaristia nos leve a uma verdadeira conversão.

Que a bem-aventurada Virgem Maria, refúgio dos pecadores, e de São José, nosso protetor, estejam presentes, mais que nunca, em nossas casas, trazendo a nós o Cristo-Luz.

Sub tuum præsidium confugimus.
sancta Dei Genitrix:
nostras deprecationes
ne despicias in necessitatibus:
sed a periculis cunctis libera nos semper,
Virgo gloriosa et benedicta.

 

[1] Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, https://dicionario.priberam.org/confrontar.

 

IV Domingo da Quaresma: Jo 9,1-41 – Batismo: unge e lava os olhos para ver a verdade

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Por Dom André Vital Félix da Silva, SCJ.

Neste tempo especial de preparação dos catecúmenos para o Batismo e da renovação das promessas dos já batizados, a liturgia deste Domingo nos apresenta, no encontro de Jesus com o cego de nascença, mais uma catequese batismal. A narração da cura do cego de nascença, com o simbolismo próprio do IV evangelho, tem como objetivo a revelação da pessoa de Jesus no seu mistério de Deus encarnado, luz que ilumina todo homem vindo ao mundo (Jo 1,9), mas ao mesmo tempo mostra que todo aquele que é iluminado por Ele torna-se testemunha da luz verdadeira. No cego de nascença curado temos uma prefiguração de todo batizado; no Cristianismo primitivo tanto o batismo quanto a vida cristã eram chamados de iluminação: “Lembrai-vos, contudo, dos vossos primórdios: apenas havíeis sido iluminados, suportastes um combate doloroso” (Hb 10,32, do Cura do cegogrego photismós: iluminação). São Paulo define os batizados como “filhos da luz”, Ef 5,7 (grego: tekna photos).

A luz é símbolo da verdade, a única capaz de garantir a vida, pois liberta o ser humano de toda escravidão (Jo 8,32). Contudo, para o cristão, a verdade não se esgota numa simples correspondência entre uma ideia representada na mente e algo externo perceptível na realidade. A verdade para o batizado é uma pessoa: Jesus, “o Verbo de Deus que se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1,14). É nele que o ser humano descobre quem é (GS 22); o encontro com o Senhor inunda de luz a sua vida para que conheça a verdade sobre si, sobre o mundo, sobre Deus. Porém, este caminho não se faz por pura iniciativa humana, mas na base de tudo está a graça de Deus que, apesar do nosso pecado, se manifesta. O batismo é justamente a porta de entrada que nos leva ao conhecimento da verdade. Encontrando-se com a verdade, o batizado é desafiado a reconhecer e discernir o que é verdadeiro do que é mentiroso.

Numa sociedade que jaz sob a ditadura do relativismo, como denunciou Bento XVI, a única verdade permitida é que a verdade não existe, ou no máximo depende do subjetivismo de cada um. Os próprios defensores dessa mentira se contradizem crendo que essa sua mentira é a verdade absoluta, e não escapam da necessidade de uma verdade, ainda que esta seja mentira.

O cego que começa a enxergar representa o ser humano que reconhece a verdade e, portanto, não se deixa aprisionar pela mentira usurpadora. O evangelho nos apresenta, de forma didática, este caminho rumo à verdade, através de dois gestos simbólicos: ungir e lavar os olhos.

Jesus cuspiu no chão, fez lama com a saliva e colocou-a sobre os olhos do cego”. A expressão grega traduzida por “colocar sobre” (os olhos) no grego é uma palavra só (epechrisenepi, sobre; e o verbo chrio, de onde vem Cristo, ungido, crisma, unção). No Antigo Testamento é um verbo usado para a unção de reis (1Sm 10,1), sacerdotes (Ex 28,4), profetas (1Rs 19,16) e pode ser muito bem compreendida como “ungir”. Portanto, o gesto de Jesus adquire um sentido mais profundo: ungindo o cego com a argila da terra e a sua saliva recorda o ato primordial de Deus ao criar o ser humano (Gn 2,7). Esta é a primeira experiência de encontro com a verdade: o homem que toma consciência do que ele é, isto é, uma criatura de Deus, intimamente ligado à terra, mas que recebeu um sopro divino e, por isso, não pode negar a sua natureza transcendente. Reduzir o homem a um animal terráqueo é torná-lo cego. Sem dúvida, esta é uma das verdades mais contestadas por ideologias materialistas, que aprisionam o homem ao mundo das satisfações materiais, impedindo-lhe de conhecer a verdade de que ele é mais do que o seu corpo e suas necessidades.

Vai lavar-te na piscina de Siloé”: recuperando a verdade fundamental da sua existência, o cego precisa dar um outro passo: obedecer à Palavra de Jesus que o envia à piscina. Lavar-se significa mergulhar em Siloé (hebraico: Shiloah, enviado). O próprio Jesus, um pouco antes, afirmara ser ele o enviado do Pai: “É necessário realizar as obras daquele que me enviou”. Simbolicamente o homem que foi ungido, que recebeu gratuitamente o dom de Deus, agora precisa mergulhar em Cristo, tornar-se um discípulo dele para continuar a conhecer a verdade que liberta. Paralelamente, todas as outras pessoas se opõem à verdade incontestável da cura do que fora cego. Mesmo enxergando a verdade, não querem reconhecê-la (vizinhos, pais, fariseus). Pois acolher a verdade exige ter os olhos ungidos e lavados pelo Cristo. Preferem fechar os olhos para não se comprometer com a verdade, pois essa tem um preço, que se paga inclusive com a vida. Só quem faz a experiência de ser libertado por ela é capaz de dar a vida por ela, pois sabe que não a perderá para sempre.

Os vizinhos, os pais e os fariseus negaram a verdade porque caíram na tentação de separar a verdade da cura com a verdade de quem a realizou.

Quando o ser humano provoca um divórcio entre a verdade e a realidade, ele cria a sua própria verdade e, consequentemente, aprisiona-se às suas mentiras. As grandes mentiras proclamadas verdades no nosso mundo hoje são fruto do divórcio entre cultura e natureza, pois não se pode crer que uma cultura é verdadeira se esta destrói a natureza; no âmbito da religião quando se divorcia a ação pastoral do depósito da fé, a religião deixa de ser profética e vira uma ONG ou mesmo um clube de amigos. Separando o amor da abnegação, tudo vira sentimentalismo escravizador. Uma autoridade que não é serviço depõe contra a vida, e a faz refém de privilégios mesquinhos. Quando se estabelece um hiato entre fé e razão, as duas asas de elevação do espírito humano rumo à verdade, entre espiritualidade e consciência moral, forja-se uma ciência servidora de interesses egoístas e mercadológicos e uma religião que não passa de sedativo de angústias, sem produzir atitudes coerentes e verdadeiras transformações.

Se o batismo nos faz mergulhar no mistério de Cristo, morto e ressuscitado, ser batizado é ser iluminado por Ele, a luz da verdade, e tornar-se sua testemunha no mundo que tem medo da verdade, mas que necessita urgentemente dela, caso contrário não encontrará a liberdade verdadeira nem vida em plenitude.

 

Fonte: https://www.dehonianosbre.org.br/homilias/iv-domingo-da-quaresma–jo-9-1-41–batismo–unge-e-lava-os-olhos-para-ver-a-verdade

 

 

Oração a S. José

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S. José

A vós, São José, recorremos em nossa tribulação e, depois de ter implorado o auxílio de Vossa Santíssima Esposa, cheios de confiança solicitamos o vosso patrocínio. Por esse laço sagrado de caridade, que os uniu à Virgem Imaculada, Mãe de Deus, pelo amor paternal que tivestes ao Menino Jesus, ardentemente vos suplicamos que lanceis um olhar benigno para a herança que Jesus conquistou com seu sangue,e nos socorrais em nossas necessidades com o vosso auxílio e poder. Protegei, ó Guarda providente da Divina Família, a raça eleita de Jesus Cristo. Afastai para longe de nós, ó Pai amantíssimo, a peste do erro e do vício.

Assisti-nos do alto do céu, ó nosso fortíssimo sustentáculo, na luta contra o poder das trevas; assim como outrora salvastes da morte a vida do Menino Jesus, assim também defendei agora a Santa Igreja de Deus contra as ciladas de seus inimigos e contra toda adversidade. Amparai a cada um de nós com o vosso constante patrocínio, a fim de que, a vosso exemplo, e sustentados com vosso auxílio, possamos viver virtuosamente, morrer piedosamente e obter no céu a eterna bem-aventurança. Assim seja.

(Leão XIII)

TERCEIRO DOMINGO DA QUARESMA – Ano A (P. Lucas, scj)

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Caros irmãos, na Quaresma deste ano A, a liturgia nos insere num itinerário de preparação para o Batismo ou, no nosso caso, para a renovação das promessas batismais, que, de fato, faremos na celebração da Vigília Pascal. Assim, neste terceiro domingo, temos o encontro de Jesus com a samaritana para nossa meditação e oração (cf. Jo 4,5-42). Que o Senhor nos dê a graça de um coração atento à Sua presença e aberto ao Seu pedido.

À samaritana, dispersa nos seus afazeres cotidianos, Jesus, tomando iniciativa, pede: “Dá-me de beber” (Jo 4,7). Aquele que não há necessidade alguma se coloca na posição de pedinte. Como é extraordinária a capacidade que Ele tem de se fazer pequeno! E isso é sinal de seu amor, pois quem ama espera sempre algo da pessoa amada. Porém, não Samaritana2raramente, Ele nos pede algo que não queremos entregar. “Por que Deus nos pede isso ou aquilo?”, pensamos. Mas é sempre algo que podemos – e até devemos – entregar.

Então, perguntemo-nos: o que o Senhor nos pede nesta quaresma? É uma renúncia? Uma mudança de perspectiva ou atitude? “Deus não poderia inspirar desejos irrealizáveis”, [1] diz Santa Teresinha. Eu diria que, antes de tudo, Ele nos pede tempo. Na correria em que habitualmente vivemos, rezar significa sacrificar tempo a Deus, ou seja, reservar um momento do nosso dia (todos os dias, sem exceção) para estar a sós com Ele. Afinal, a Sua presença é essencial para nós ou não?

Mas não só. Quantos jovens se sentem chamados a uma vida de especial consagração, mas, olhando para a própria miséria, procuram empecilhos que sirvam de desculpa para não se entregar? Que Ele queira nossas mãos, nossos pés e nosso coração nada mais é que amor e misericórdia… Não tenham medo! Aquele que pede, no fim das contas, quer nos dar algo muito maior e muito melhor (cf. Jo 4,10): Ele se dá por inteiro, nos faz participar da Sua vida, nos faz filhos e herdeiros do Pai.

Que a bem-aventurada Virgem Maria, nossa Mãe, e de São José, nosso protetor, nos impulsionem a sermos generosos com o Senhor.

Sub tuum præsidium confugimus.
sancta Dei Genitrix:
nostras deprecationes
ne despicias in necessitatibus:
sed a periculis cunctis libera nos semper,
Virgo gloriosa et benedicta.

 

[1] Manuscritos autobiográficos, C.

III Domingo da Quaresma: Jo 4,5-42 – Do poço à fonte batismal

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Por Dom André Vital Félix da Silva, SCJ.

Os evangelhos dos dois primeiros domingos da Quaresma, nos três anos, estão sempre centrados em Cristo tentado e transfigurado; os outros três domingos preparam mais diretamente para o batismo ou à renovação das promessas na noite da Páscoa” (Cristo, festa da Igreja, pág. 268). Como estamos no ano A, cujo itinerário quaresmal sublinha mais o aspecto batismal, a começar deste III Domingo as perícopes evangélicas são eminentemente catequeses batismais (Samaritana, Cego de nascença, Ressurreição de Lázaro). É uma verdadeira síntese do significado do batismo como vida nova que brota do mergulho na morte e ressurreição de Cristo, que é a água viva, a luz do mundo, e a ressurreição e a vida.

Apesar de a liturgia deste Domingo destacar especificamente o encontro-diálogo de Jesus com a Samaritana, não podemos esquecer que na introdução do capítulo (4,1-2) aparece claramente o tema do batismo. Diante da riqueza inesgotável do texto, destacaremos apenas alguns dos seus elementos considerando a sua perspectiva de catequese batismal:

1. Batismo é dom gratuito: Jesus, chegando primeiro ao poço de Jacó, aguarda a mulher que vem pegar água; ele toma a iniciativa de lhe oferecer uma água superior àquela que ela pretende tirar. Apesar de ser a fonte de água viva, Jesus se coloca diante da Samaritana como um sedento: “Dá-me de beber”. Apresentar-se diante do outro, sobretudo quando há inimizade, na cultura do Antigo Oriente, era manifestar o seu desejo de reatar as relações, estabelecer a paz. Ademais, a sede de Jesus se revelará como desejo ardente de saciar a sede da mulher, de dar-lhe vida plena, que começa com a iluminação da sua história nem sempre exemplar, mas que será necessário reconhecer e assumir a fim de curar as feridas do seu coração preconceituoso e seus sentimentos de inferioridade: “Como tu judeu, pedes de beber a mim, que sou uma mulher SamaritanaSamaritana?” Pregado na cruz, Jesus mais uma vez confirma qual é, de fato, a sua sede (Jo 19,28). À Samaritana Ele promete a água viva. Na cruz Ele realiza essa promessa entregando o seu Espírito e, do seu coração traspassado, fazendo brotar água e sangue, símbolos do Batismo e da Eucaristia, os sacramentos que consolidam a missão e a identidade da Igreja, a sua esposa, a nova Eva, tirada do seu lado aberto, anunciada simbolicamente no encontro com a mulher Samaritana, chamada à fidelidade da Nova Aliança, firmada em espírito e em verdade.

2. Batismo é vida nova: ao prometer a água viva, Jesus desafia a Samaritana a ter uma vida nova. E, portanto, não haverá mais necessidade de voltar ao poço, não viverá mais como uma infiel, pois teve cinco maridos e o atual não era dela, não precisará mais de um cântaro para transportar água, pois nela se fará uma fonte de água jorrando para a vida eterna. Todo ser humano sedento de plenitude de vida, ao receber o dom do batismo, inicia um caminho conduzido pela palavra de Jesus e pela graça do Espírito Santo, a fim de que a vida nova recebida como dom não pereça. Contudo, deve abandonar os ídolos (maridos) para realizar os esponsais com o único Senhor, aquele que é o Senhor da vida. A vida nova recebida no batismo progride à medida que se cresce no conhecimento da pessoa de Jesus, pois essa vida nova significa configurar-se a Ele. Assim como a Samaritana foi amadurecendo na fé, partindo do reconhecimento preconceituoso de Jesus (tu, Judeu), passando por um processo de conversão, isto é, abertura de coração e mudança de atitudes, deixando-se orientar e corrigir (profeta) até a profissão de fé mais perfeita (Cristo), todo batizado, e não apenas os catecúmenos, precisa assumir na sua vida um permanente aprofundamento da pessoa de Jesus, crescendo nas convicções de segui-lo e de testemunhar a sua fé nele. Por isso rezamos no primeiro Domingo da Quaresma: “Concedei-nos, ó Deus onipotente, que, ao longo desta Quaresma, possamos progredir no conhecimento de Jesus Cristo e corresponder a seu amor por uma vida santa”.

3. Batismo é fundamento da missão: na sua exortação apostólica Evangelii Gaudium n. 9, o Papa Francisco nos recorda: “O bem tende sempre a comunicar-se. Toda a experiência autêntica de verdade e de beleza procura, por si mesma, a sua expansão; e qualquer pessoa que viva uma libertação profunda adquire maior sensibilidade face às necessidades dos outros. E, uma vez comunicado, o bem radica-se e desenvolve-se. Por isso, quem deseja viver com dignidade e em plenitude, não tem outro caminho senão reconhecer o outro e buscar o seu bem. Assim, não nos deveriam surpreender frases de São Paulo como estas: ‘O amor de Cristo nos absorve completamente’ (2Cor 5,14); ‘ai de mim, se eu não evangelizar!’ (1Cor 9,16)”. Sem dúvida, esta foi a experiência da Samaritana e, portanto, deve ser a de todo batizado. A missão não é algo artificial que procura estratégias para impor aos outros ideias ou pensamentos pessoais ou de um grupo, mas é, antes de tudo, testemunho convicto: “Muitos samaritanos daquela cidade abraçaram a fé em Jesus por causa da palavra da mulher que testemunhava: ‘Ele me disse tudo o que eu fiz’”.

O percurso quaresmal reaviva em nós esta dinâmica própria do batismo, graça que nos é oferecida gratuitamente no sacramento e que compartilhamos gratuitamente na missão.

 

Fonte: https://www.dehonianosbre.org.br/homilias/iii-domingo-da-quaresma–jo-4-5-42–do-poco-a-fonte-batismal

 

SEGUNDO DOMINGO DA QUARESMA – Ano A (P. Lucas, scj)

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Caros irmãos, a Quaresma prossegue e, neste segundo domingo, para nossa meditação e oração, temos o relato da Transfiguração do Senhor (cf. Mt 17,1-9). Peçamos a Ele que Sua presença nos dê coragem para empreendermos nosso caminho de fé.

Profissão de fé de são Pedro, anúncio da Paixão, apresentação das condições para seguir Jesus (negar a si mesmo e tomar a cruz cada dia) e, enfim, a Transfiguração: esta é a sequência narrada nos três evangelhos sinóticos. Observá-la é algo que nos ajuda a compreender o mistério que hoje contemplamos como uma pequena antecipação da icone transfiguraçãoglória pascal que visa sustentar os discípulos no caminho através da Paixão e da Cruz. Assim, também nós, quando atravessamos momentos difíceis, precisamos nos lembrar da presença, da glória e da alegria do Senhor para continuar caminhando sem desanimar.

Porém, se trata de um caminho feito de fé e não de uma visão perfeita. E, por isso, somos iluminados também pela vocação de Abraão que ouviremos na primeira leitura (cf. Gn 12,1-4a). pois a sua resposta é extraordinária: ele – simplesmente – partiu. Note-se que ele não sabia qual era a terra à qual estava sendo chamado (“que eu te vou mostrar”, diz o texto) e, portanto, não fazia ideia de qual era o caminho. O Senhor diz: “sai”; e ele sai: é simples, mas absoluta, confiança na Palavra que lhe foi dirigida. Também nós, irmãos, apenas somos convidados a ouvir no silêncio da oração a voz do Senhor que continua a nos chamar nesta Quaresma: sai! Deixa teu egoísmo, teus caprichos, teus prazeres, tua zona de conforto e vai para onde eu indicar. Dar-lhe-emos ouvidos ou continuaremos a duvidar das Suas promessas?

Que a bem-aventurada Virgem Maria, Mãe de Deus e nossa, e de São José, seu castíssimo esposo, intercedam por nós a fim de que não ignoremos a voz do Senhor.

Sub tuum præsidium confugimus.
sancta Dei Genitrix:
nostras deprecationes
ne despicias in necessitatibus:
sed a periculis cunctis libera nos semper,
Virgo gloriosa et benedicta.

 

II Domingo da Quaresma: Mt 17,1-9 – A tentação das tendas

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Por: Dom André Vital Félix da Silva, SCJ

O episódio da Transfiguração do Senhor, neste segundo Domingo da Quaresma, está intimamente relacionado com a narração das tentações de Jesus que meditamos sete dias atrás; pois dois elementos fundamentais estão presentes em ambas as situações. Por um lado, a afirmação de que Jesus é o Filho de Deus, mas ao mesmo tempo a tentação (Diabo e Pedro) de impedi-lo de cumprir com coerência e fidelidade a sua missão de Servo Sofredor.

A versão da Transfiguração que encontramos no lecionário dominical, por questão de adaptação à leitura litúrgica, substitui: “E seis dias depois” (grego: Kai meth’ hemeras hex) por “Naquele tempo”. Porém, a expressão original nos dá uma chave de leitura importantíssima para captarmos bem o significado teológico da Transfiguração tanto no contexto do evangelho de Mateus quanto à luz do Antigo Testamento. Em primeiro lugar, os vários elementos que aparecem na cena da transfiguração fazem referência a Êxodo 24,13-16, quando a expressão “seis dias” indica o tempo no qual Moisés permaneceu na montanha de Deus, sob a nuvem, a fim de receber as tábuas da Lei; no 7º dia, Deus Trasfigurazionechamou Moisés do meio da nuvem e manifestou-lhe a sua glória, como um fogo consumidor. Ademais, encontramos também uma referência ao profeta Elias que, por sua vez, também na montanha de Deus, fez a experiência do encontro com o Senhor (1Rs 19,8-18), cujas manifestações que antecederam a sua presença levaram o profeta a cobrir o seu rosto com o manto.

No evangelho, quando lemos a expressão “Seis dias depois”, naturalmente nos vem a pergunta: “De quê?” (O que aconteceu antes?). Portanto, é bom ter presentes estes últimos episódios: a confissão de Pedro (Mt 16,13-20), o anúncio da paixão e a tentação de Pedro (Mt 16,21-23), as condições para seguir Jesus (Mt 16,24-26) e, por fim, o próprio anúncio da Transfiguração: “Em verdade vos digo que alguns dos que aqui estão não provarão a morte até que vejam o Filho do Homem vindo em seu Reino” (Mt 16,28). Por isso, daqueles que ali estavam presentes, “Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João”. Serão eles as testemunhas de que o Reino chegou com Jesus de Nazaré, o Filho de Deus, aquele que vai morrer e, ao terceiro dia, ressurgirá.

Tanto no centro do relato dos acontecimentos anteriormente mencionados quanto na narração da Transfiguração, encontramos a tentação de Pedro, que procura impedir Jesus de cumprir sua missão: “Pedro começou a repreendê-lo: Deus não te permita, Senhor” (Mt 16,22), “Senhor, é bom estarmos aqui” (Mt 17,4); em outras palavras, Pedro estava querendo dissuadir Jesus para que permanecesse no monte da Glória, sob a proteção de uma tenda e, assim, não teria que descer de lá para subir o monte da Cruz. Em ambos os casos, Pedro tenta Jesus para que abandone o caminho do sofrimento, da cruz, assim como fez o Satanás no deserto, quando sugeriu que Jesus matasse a sua fome com um toque mágico, exigisse a proteção de Deus sem obediência e alcançasse o poder e a riqueza renegando a sua filiação divina.

Assim como Satanás propôs a Jesus três proteções ilusórias (material: o pão; divina: os anjos; humana: o poder e a riqueza), Pedro quer erguer três tendas para proteger os três personagens importantes da cena. Contudo, essa aparente benevolência de Pedro acarretaria um grande dano: impedir que as Escrituras, representadas em Moisés e Elias, se realizassem plenamente com a morte e ressurreição de Jesus; é mais uma tentativa de afastar Jesus da cruz. O objetivo é claro: ao construir uma tenda para cada um, Pedro isolará os três e impedirá o diálogo (Lucas explicita que a conversa era sobre a morte de Jesus em Jerusalém: Lc 9,30-31) entre Moisés (Lei), Elias (Profecia) e Jesus (Palavra Encarnada), que já tinha afirmado: “Não vim para revogar a Lei e os Profetas, mas para dar-lhes pleno cumprimento” (Mt 5,17). Jesus é aquele que realiza o autêntico diálogo entre o Antigo Testamento (Moisés e Elias) e o Novo Testamento (Pedro, Tiago e João). É o próprio Pai, cuja palavra se faz ouvir nas Escrituras, que declara ser o seu Filho amado, o único intérprete fiel da Lei e dos Profetas.

Assim como no deserto, Jesus venceu as tentações do diabo com a proclamação da palavra do seu Pai (“Não só de pão viverá o homem…”, “Não tentarás o Senhor teu Deus”, “Ao Senhor teu Deus adorarás…”), agora diante das tentações de Pedro (e dos discípulos) é a Palavra do Pai mais uma vez que se faz ouvir: “Este é o meu filho amado, em quem me comprazo, ouvi-o”. Assim como as tentações foram vencidas pela obediência de Jesus à Palavra de Deus, agora os discípulos são instruídos para que também aprendam a vencê-las. Satanás, vencido, recuou (“O diabo o deixou”), os discípulos, por sua vez, ouvindo a voz do céu: “Muito assustados, caíram com o rosto no chão”, portanto, foram derrotados nas suas tentações, mas Jesus os ergue, fazendo-os participar antecipadamente da sua ressurreição pois dirige-lhes as palavras próprias do ressuscitado: “Não tenhais medo” (Mt 28,10).

Quaresma é tempo de renovar o nosso compromisso de seguir os passos de Jesus que exige de nós a coragem de desamarmos as nossas tendas (comodismo, egoísmo, descompromisso etc.). Armar a tenda no monte da transfiguração pode ser prazeroso, mas nos impede de prosseguir o caminho que leva à verdadeira vitória, que não se alcança senão subindo o monte da cruz. Mais uma vez é a Palavra de Deus a nos guiar e fortalecer na luta contra as tentações das inúmeras tendas, que ao longo do caminho encontramos.

 

Fonte: https://www.dehonianosbre.org.br/homilias/ii-domingo-da-quaresma–mt-17-1-9–a-tentacao-das-tendas

 

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