Inicial

TRIGÉSIMO PRIMEIRO DOMINGO DO TEMPO COMUM (Ano C) – P. Lucas, scj

Deixe um comentário

Caros irmãos, na liturgia do trigésimo primeiro Domingo do Tempo Comum, ano C, contemplamos o belíssimo encontro entre Jesus e Zaqueu (cf. Lc 19,1-10). Que o Espírito Santo nos dê a graça de receber hoje a salvação em nosso coração.

Antes que Zaqueu fizesse todo o esforço possível para ver Jesus, ele já era conhecido pelo nome: sim, o Senhor estava em Jericó justamente para “procurar e salvar o que estava perdido” (Lc 19,10). Nós somos conhecidos e amados por Deus assim, de modo a sermos reconhecidos e chamados pelo nome antes mesmo de começar a procurar aquele que desceu dos céus para nos amar e salvar. É assim que Ele nos ama agora. O que estamos esperando para descer e abrir-lhe nossa casa, nosso coração?

E quando somos tocados pelo amor salvífico de Deus manifestado em nosso Senhor Jesus Cristo, nossa vida é transformada e nos tornamos capazes de responder generosamente ao chamado de Deus: “Senhor, eu dou a metade dos meus bens aos pobres, e se defraudei alguém, vou devolver quatro vezes mais” (Lc 19,8). Aquele pobre homem que não tinha nada além de dinheiro, agora pode abrir mão do que possuía porque encontrou-se com o verdadeiro bem. Como disse o santo padre Bento XVI refletindo essa passagem, “mais uma vez o Evangelho nos diz que o amor, partindo do coração de Deus e agindo através do coração do homem, é a força que renova o mundo” [1]. Que hoje o amor do divino Salvador tome conta da nossa vida e reine em nós!

Ó Pai, envia-nos o Espírito Santo para que sejamos capazes de escancarar depressa as portas do nosso coração ao Teu Filho Jesus Cristo. Bem-aventurada Virgem Maria, ensina-nos a dizer sim a Deus. S. José, terror dos demônios, protegei-nos contra as investidas do mal.

Não se esqueça de rezar pelo Brasil. Nossa Senhora Aparecida e S. Pedro de Alcântara, rogai por nós.

Sub tuum præsidium confugimus.
sancta Dei Genitrix:
nostras deprecationes
ne despicias in necessitatibus:
sed a periculis cunctis libera nos semper,
Virgo gloriosa et benedicta.

[1] BENTO XVI, Angelus, https://www.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/angelus/2007/documents/hf_ben-xvi_ang_20071104.html

XXXI Domingo do Tempo Comum: Lc 19,1-10 – Zaqueu: o pecador procurado por Deus

Deixe um comentário

Por Dom André Vital Félix da Silva, scj.

A belíssima cena do encontro de Jesus com Zaqueu, exclusiva de Lucas, situa-se na última fase da viagem de Jesus para Jerusalém. É o grande anúncio-síntese de que o evangelho dirigido aos pobres, aos cegos, aos cativos vem se realizando (Lc 4,18-21). Não é uma promessa para o amanhã que nunca chega, mas uma certeza de salvação para o hoje da nossa vida e que se plenificará na eternidade. O nome Zaqueu em hebraico pode significar “justo, puro” ou sendo a abreviação de Zacarias (Zekarjah) pode ser: “Deus se lembrou”. Ambos significados se complementam e enriquecem a compreensão teológica do fato. Reconhecendo-se pecador e confessando o seu pecado (como o publicano no templo), Zaqueu foi justificado pelo próprio Jesus: “Hoje a salvação entrou nesta casa”. Na perspectiva da teologia de Lucas, Zaqueu é também um sinal concreto de que Deus se lembra do seu povo e hoje vem libertá-lo em seu filho Jesus: “O Filho do homem veio para buscar quem estava perdido”.

Zaqueu é o símbolo do ser humano que, apesar de seus inúmeros pecados, procura a Deus. E nessa sua procura descobre que é o próprio Deus quem o procura por primeiro. Lucas sublinha que Zaqueu “procurava ver quem Jesus é”, e concluiu a perícope com a afirmação de Jesus: “O Filho do homem veio procurar e salvar o que estava perdido”. Tanto para Zaqueu como para Jesus, a ação principal é apresentada com o verbo procurar (grego: Zeteo, procurar, buscar, querer fortemente; este verbo também se encontra na parábola da dracma perdida: a mulher que procura diligentemente a moeda: Lc 15,8). Aqui encontramos a realidade mais concreta da salvação, pois esta é fruto do encontro da vontade e do empenho do ser humano de procurar Deus e o compromisso de Deus de não desistir do ser humano, pois está sempre à sua procura, desde a queda de Adão e Eva (Gn 3). Essas duas vontades se realizam no encontro com o Filho do homem.

Com a Encarnação, Deus se deixou ver no seu Filho, Ele é a imagem do Deus invisível (Cl 1,15). Se no paraíso, depois do pecado, Adão e Eva foram se esconder para não serem vistos por Deus, na nova criação inaugurada por Jesus, o homem é encorajado a se apresentar diante de Deus sem máscaras e a sair dos seus esconderijos. Se o velho Adão procurou esconder-se de Deus por trás das árvores, agora quem deseja ser um novo homem precisa aparecer diante de Deus como é: publicano (pecador), baixa estatura (incapaz por si mesmo). Zaqueu sobe na árvore para ver quem é Jesus, mas surpreende-se ao ser visto primeiro pelo próprio Senhor que lhe diz que não é do sicômoro que ele verá quem é Jesus; é preciso descer depressa dali para seguir o Senhor que se encaminha para subir noutra árvore, a árvore da vida, a sua cruz. Ali Zaqueu saberá quem de fato Jesus é. Não é trepado no sicômoro que ele descobre quem é Jesus, mas é vendo-o pregado na cruz que saberá qual o preço da salvação que naquele dia entrou na sua casa.

Certamente o desejo de Zaqueu de ver Jesus foi provocado pelo testemunho de tantas pessoas que já tinham feito a experiência do encontro com Ele. Recentemente, ao aproximar-se de Jericó, Jesus tinha curado um cego que estava mendigando, sentado à beira do caminho (Lc 18,35-43: perícope anterior à de Zaqueu). Poderíamos dizer que este fato serve de introdução para o encontro de Jesus com Zaqueu. Assim como o cego queria “ver de novo”, Zaqueu queria ver Jesus. Se para o cego reaver a vista era a condição fundamental para seguir Jesus pelo caminho, ver Jesus para Zaqueu foi o primeiro passo para a sua conversão. O cego, repreendido pela multidão, gritou mais forte para que Jesus o visse; Zaqueu, impedido pela multidão, procura um lugar mais alto para ver o Senhor. A fé do cego foi declarada por Jesus como a causa da sua cura e salvação. A mudança de Zaqueu foi declarada por Jesus como testemunho de que, de fato, ele tinha feito a experiência do perdão pois a salvação tinha entrado na sua casa. O encontro de Jesus com o cego marcou o início de uma nova vida, pois este decidiu livremente seguir os passos de Jesus glorificando a Deus. Zaqueu, por sua vez, não vê apenas quem é Jesus, mas vê o que significa acolher em sua casa a salvação, por isso: “De pé (posição do cego curado que segue Jesus no caminho, até então sentado à beira da estrada) disse ao Senhor: ‘Senhor, eis que (literalmente no grego: idou, imperativo do verbo ver) eu dou a metade dos meus bens aos pobres e se defraudei alguém, restituo-lhe o quádruplo”. A prática da justiça foi o sinal mais claro de que, de fato, ele viu Jesus. Ademais, Zaqueu viu como responder à questão fundamental da existência: “Que devo fazer para herdar a vida eterna?” A conversão de Zaqueu foi a concretização do que Jesus já havia proposto ao jovem rico que, por sua vez, preferiu ficar com a sua riqueza, não dividi-la com os pobres e, por isso, impedido de seguir a Jesus, consequentemente, permaneceu cheio de tristeza (Lc 18,18-23). Zaqueu representa todo pecador que, apesar de suas misérias (baixa estatura), procura Deus (subir na árvore) e se surpreende sendo procurado por Ele (descer depressa para acolhê-Lo em sua casa). O encontro com o Senhor o torna capaz de repartir seus bens com os pobres porque vê Jesus neles.

Fonte: https://www.dehonianosbre.org.br/homilias/xxxi-domingo-do-tempo-comum–lc-19-1-10–zaqueu–o-pecador-procurado-por-deus

TRIGÉSIMO DOMINGO DO TEMPO COMUM (Ano C) – P. Lucas, scj

Deixe um comentário

Caros irmãos, a liturgia do trigésimo Domingo do Tempo Comum, ano C, nos conduz, mais uma vez, a meditar sobre a virtude da humildade, desta vez, vista como necessária para a oração (cf. Lc 18,9-14). Que o Espírito Santo nos ilumine e nos sustente para rezar sempre como convém.

S. Lucas nos diz que Jesus contou a parábola do fariseu e do publicano “para alguns que confiavam na sua própria justiça e desprezavam os outros” (Lc 18,9). A postura do publicano durante a oração, de fato, é soberba e, por isso, não agrada a Deus, pois a caridade não acontece no meio do orgulho. Mas o Senhor está perto do coração atribulado “e conforta os de espírito abatido” (Sl 33,19). Além disso, são as preces dos humildes que chegam aos céus (cf. Eclo 35,21 – primeira leitura). Reconheçamos, portanto que tudo o que temos de bom vem de Deus e não temos, dessa forma, razão para nos gloriar diante dele (cf. 1Cor 4,7).

Assim, compreenderemos que a verdadeira humildade é vivida diante do Senhor, nosso Deus. Com efeito, não podemos nos esconder dele: Ele sabe quem somos, conhece nossa miséria. Contudo, mesmo assim, o Pai nos chamou a uma altíssima vocação em Seu Filho que se rebaixou à nossa condição. Desse modo, Ele nos resgatou e deu-nos a possibilidade de receber, como Paulo, a coroa da justiça. Para tanto, precisamos esperar “com amor a sua manifestação gloriosa” (2Tm 4,8 – segunda leitura). Estejamos, então, preparados, ou seja, em comunhão com o Senhor Jesus Cristo, para que Ele nos leve à glória eterna.

Ó Pai, dá-nos o Espírito Santo para que estejamos sempre em comunhão com Teu Filho Jesus Cristo. Maria, Mãe de Deus e nossa, fortalece em nós a virtude da humildade. S. José, protegei-nos das investidas do mal.

Sub tuum præsidium confugimus.
sancta Dei Genitrix:
nostras deprecationes
ne despicias in necessitatibus:
sed a periculis cunctis libera nos semper,
Virgo gloriosa et benedicta.

XXX Domingo do Tempo Comum: Lc 18,9-14 – Oração: calar para Deus agir

Deixe um comentário

Por Dom André Vital Félix da Silva, SCJ.

A parábola do XXIX Domingo do Tempo Comum (Lc 18,1-8: A viúva e o juiz injusto) ressaltava duas atitudes fundamentais na oração: fé e perseverança. Neste Domingo, Jesus continua o seu ensinamento sobre a oração e conta mais uma parábola: o fariseu e o publicano no templo. Agora o ensinamento do Mestre está direcionado àquelas pessoas que se consideravam exemplares na espiritualidade e na moral, mas se contradiziam nas suas atitudes de desprezo e condenação dos outros; deformavam a experiência religiosa com a sua falsa piedade e desqualificavam a lúcida moral com o seu rigorismo condenatório. 

Jesus apresentando esses dois personagens em franco contraste, denuncia a falsa oração e exalta a verdadeira atitude orante. A oração cristã, enraizada na Tradição bíblica e na experiência de Jesus, é caracterizada por uma atitude silenciosa que favorece a escuta do Deus que fala agindo. O próprio povo de Israel tem como solene convite à oração o tradicional Shemá (Dt 6,4: Escuta!). No evangelho não se diz aquilo que Jesus rezava nas suas orações, são raras as exceções. Porém são inúmeras as passagens onde se registram os momentos em que Ele passava em oração, retirado nas montanhas durante longas vigílias.

Tanto o fariseu quanto o publicano sobem ao Templo para rezar. Ambos estão no mesmo lugar (templo), com a mesma finalidade (rezar), na mesma posição corporal (em pé). Porém, o conteúdo da oração de cada um indica a diferença fundamental que há entre eles. O fariseu faz da sua oração uma apresentação daquilo que ele pensa ser e daquilo que ele afirma fazer (sua autoimagem). O centro da sua oração é o seu “eu absolutizado” “De pé consigo mesmo rezava” (grego pros heauton: na direção de si mesmo); todas as suas afirmações redundam numa exaltação do próprio eu. Se a Lei prescrevia uma obrigação de um jejum anual (No dia da expiação: Yom Kippur, Lv 16; Ne 9,1), ele o fazia duas vezes por semana; se o pagamento do dízimo era exigido somente dos principais produtos (Dt 14,22-23), ele paga de tudo. Nele tudo é perfeito, não reconhece nenhuma falha, pois de nada necessita. Por incrível que pareça, esta oração é ateia, isto é, em nada demonstra crer em Deus, pois tudo está concentrado naquilo que ele faz, não reconhece a ação de Deus na sua vida, não testemunha nada que tenha recebido de Deus, não suplica nada a Deus. A oração é apenas o cenário forjado com a finalidade de aparecer e ser elogiado pelos outros. Deus está fora do seu horizonte, portanto, a fé não lhe faz falta. Se despreza o semelhante é porque não teme a Deus. Este fariseu é um ateu fantasiado de religioso.

Por outro lado, o publicano, de cabeça baixa, batendo no peito, reconhece o que ele é e do que ele necessita, por isso só consegue dizer uma coisa: “Deus, tem piedade de mim, que sou pecador!” 

Enquanto o fariseu se define por um “não sou” (como os outros homens), o publicano reafirma o que ele é: “sou um pecador”. Enquanto o fariseu se exalta porque realiza tudo conforme a Lei, inclusive mais do que o prescrito e exigido, o publicano reconhece que só Deus pode fazer aquilo que é o mais importante: “Ter piedade”. Enquanto o fariseu ora com palavras presunçosas, o publicano bate no peito, sinal de profunda dor diante da consciência dos pecados, expressando arrependimento. As batidas no peito ressoam fortemente no seu coração, o lugar das mais importantes decisões, não apenas dos afetos; lugar da ação de Deus que transforma o coração de pedra, insensível, num coração de carne, símbolo da Nova Aliança.

A parábola conclui-se com a declaração de Jesus: “Digo-vos este (publicano) desceu para sua casa justificado, ao invés daquele (fariseu), porque todo aquele que se exalta a si mesmo será humilhado, mas aquele que se humilha a si mesmo será exaltado”. Aqui encontramos um conceito bíblico-teológico fundamental: a justificação. Em poucas palavras, a justificação é a ação de Deus em nós tendo em vista a nossa salvação e, portanto, não deve ser pensada como um agir nosso a fim de nos tornar justos diante de Deus, o que garantiria a salvação. O fariseu se pensava justo por causa daquilo que fazia, consequentemente não havia lugar para Deus agir na sua vida, a sua fé não era transcendente, mas autossuficiência presunçosa de quem acredita poder se salvar por suas próprias forças. A sua oração não era abertura para Deus, mas expressão de que de Deus não precisava para nada. Por outro lado, o publicano, reconhecendo-se com humildade que era pecador, miserável, abriu-se à ação misericordiosa de Deus. Se para o fariseu Deus não tinha nada a fazer; para o publicano, Deus era o único que poderia fazer tudo por ele. A oração do publicano era absoluta abertura para Deus agir.

Fonte: https://www.dehonianosbre.org.br/homilias/xxx-domingo-do-tempo-comum–lc-18-9-14–oracao–calar-para-deus-agir

VIGÉSIMO NONO DOMINGO DO TEMPO COMUM (Ano C) – P. Lucas, scj

Deixe um comentário

Caros irmãos, na liturgia deste vigésimo nono Domingo do Tempo Comum, ano C, contemplamos Jesus que conta aos discípulos a parábola da viúva e do juiz iníquo “para mostrar-lhes a necessidade de rezar sempre, e nunca desistir” (Lc 18,1). Que o Espírito Santo fortaleça nossa fé.

Antes de tudo, precisamos perceber que nós, como Igreja, somos chamados a nos assemelhar à viúva da parábola (cf. Lc 18,1-8), mas Deus não é semelhante ao juiz iníquo: na verdade o que nos chama a atenção é a dessemelhança: se até um homem mau escuta o clamor insistente de alguém que, diante de si, surge como insignificante pela sua insistência, quanto mais o Pai… “não fará justiça aos seus escolhidos, que dia e noite gritam por Ele?” (Lc 18,7).

O problema é que, em nossos dias, muitas vezes, a oração parece um instrumento inútil para a realidade concreta e cotidiana, pessoal ou social. Contudo, Bento XVI nos lembra que “a força, que silenciosamente e sem clamores, muda o mundo e o transforma no Reino de Deus, é a fé e a expressão da fé é a oração”, pois “Deus não pode mudar as situações sem a nossa conversão, e a nossa verdadeira conversão tem início com o ‘clamor’ da alma, que implora perdão e salvação” [1]. Abramo-nos, portanto, à presença e à ação do Senhor em nossas vidas através de uma assídua e profunda vida de oração.

Ó Pai, dá-nos o Espírito Santo para que perseveremos na fé em Teu Filho Jesus Cristo. Maria, Mãe da Igreja, sustenta-nos na oração cotidiana. S. José, nosso protetor, leva-nos à intimidade com Jesus.

Sub tuum præsidium confugimus.
sancta Dei Genitrix:
nostras deprecationes
ne despicias in necessitatibus:
sed a periculis cunctis libera nos semper,
Virgo gloriosa et benedicta.

[1] Cf. BENTO XVI. Homilia do Santo Padre durante a solene concelebração eucarística na visita pastoral a Nápoleshttps://www.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/homilies/2007/documents/hf_ben-xvi_hom_20071021_napoli.html.

XXIX Domingo do Tempo Comum: Lc 18,1-8 – Oração perseverante alimenta a fé incansável

Deixe um comentário

Por Dom André Vital Félix da Silva, SCJ.

Afirma Santo Agostinho: “Creiamos para orar… A fé faz brotar a oração, e a oração, enquanto brota, alcança a firmeza da fé”. O evangelho deste XXIX Domingo do Tempo Comum nos apresenta, com toda clareza e simplicidade, o fundamento dessa convicção de Santo Agostinho. De fato, ao instruir os seus discípulos nessa última fase da subida para Jerusalém, Jesus reitera a íntima relação que existe entre a fé e a oração. Pois a oração só será autêntica se estiver enraizada na fé; e a fé só produzirá frutos se for alimentada pela oração. 

É evidente o interesse de Lucas pelo tema da oração. Ao longo do seu evangelho (e também nos Atos dos Apóstolos) encontramos a preocupação de relembrar à sua comunidade o valor imprescindível da oração. Sem a oração, a comunidade não poderá se manter viva e fiel a sua vocação e missão no mundo, pois perderá a clareza da sua identidade e a força para cumprir a sua missão. Jesus é o orante por excelência; explicitamente o evangelista refere 9 ocasiões onde Jesus ora. Oração que extrapolava os esquemas tradicionais da religião de Israel. A característica fundamental da oração do Mestre era a sua capacidade de colocar-se diante de Deus de modo novo e singular. Na oração, Jesus testemunha a fonte donde hauria força para cumprir sua missão e lucidez para nortear as suas atitudes e decisões. Orando, Jesus alimentava a sua comunhão com o Pai, confirmava a sua missão e conservava-se livre de toda tentação suscetível à sua condição de Deus feito homem.

Os discípulos contemplam o Cristo orante e reconhecem as consequências de sua oração, por isso suplicam que Ele os ensine a orar (Lc 11,1). Na perspectiva lucana, a oração tornará os discípulos cada vez mais semelhantes ao Mestre, e será garantia para não sucumbirem na tentação (Lc 22,40.46). Aprendendo de Jesus um estilo de vida orante, aprendem também a fazer opção pelo reino que exige fidelidade a Deus e compromisso solidário para com os outros, isto é, a prática da justiça. 

A parábola da viúva, que exige a conversão do juiz, ilustra as duas atitudes fundamentais da oração enraizada na fé: perseverança e confiança. Portanto, essa pobre mulher se torna o modelo do autêntico discípulo. Ela representa a comunidade cristã, muitas vezes impotente e desprovida de condições para exigir justiça diante de uma sociedade que se assemelha ao juiz iníquo que afirmava “não temer a Deus nem respeitar o ser humano”.  Um “juiz injusto” é uma imagem paradoxal, apesar de ser real em muitos casos. Aquele que devia ser o defensor da verdade (reconhecimento da injustiça cometida contra a viúva), a condição fundamental para a prática da justiça, ao recusar-se defender a causa da viúva, coloca-se do lado dos seus adversários.  Não defendê-la era o mesmo que ser-lhe injusto duplamente. O motivo que ele encontra para ser injusto é a maior das injustiças que o ser humano pode cometer na sua existência: porque não reconhece a Deus, desrespeita o seu semelhante.

A perseverança insistente da viúva provocou no juiz injusto uma mudança não motivada pelo temor de Deus ou pelo respeito humano, o que o significaria uma conversão, mas pelo medo de ser agredido publicamente por ela. Tal situação serve de contraste para o principal ensinamento de Jesus nessa parábola: o modo de Deus realizar a sua justiça. Se o juiz injusto decide, por medo, fazer justiça para com a viúva, Deus o verdadeiro juiz, justo e misericordioso, escuta a oração perseverante dos seus eleitos que clamam a Ele dia e noite. A oração autêntica não constrange Deus, mas manifesta-lhe a confiança de quem ora, pois sabe a quem se dirige. 

A comunidade, enquanto aguarda a vinda definitiva do seu Senhor, a realização plena do seu Reino de amor e de justiça, deve perseverar na oração alimentada pela fé. E, portanto, atualiza constantemente o princípio fundamental: rezar o que crer (lex orandi, lex credendi). Como a viúva acreditava no que pedia, assim a fé da Igreja se expressa na sua oração. O grande desafio da comunidade orante é ter a clareza daquilo que crê. Talvez nas nossas assembleias litúrgicas não faltem orações, súplicas, louvores. Contudo, isso não significa necessariamente que sejam expressão do que se crê no dia-a-dia, pois só o nosso modo de viver indicará com evidência e firmeza o que de fato cremos.

Fonte: https://www.dehonianosbre.org.br/homilias/xxix-domingo-do-tempo-comum–lc-18-1-8–oracao-perseverante-alimenta-a-fe-incansavel

Solenidade de Nossa Senhora Aparecida: Jo 2,1-11 – Aparecida para auxiliar

Deixe um comentário

Por Dom André Vital Félix da Silva, SCJ.

Neste dia em que nós católicos do Brasil celebramos a solenidade de nossa querida padroeira, a Mãe Aparecida, a Liturgia nos recorda que o nosso amor àquela que foi escolhida pelo próprio Deus para ser a mãe do seu Filho não se fundamenta apenas em motivações devocionais, mas é no próprio evangelho que encontramos a razão suficiente para amá-la com reverência e devoção. Ao celebrarmos esta solenidade, cujo ápice é a Eucaristia, não estamos colocando Maria em lugar de honra segundo critérios humanos, nem muito menos a colocamos no lugar de Deus. Toda legítima e autêntica devoção mariana católica se enraíza na certeza de que Deus a amou por primeiro e a colocou junto ao seu Filho, e deste lugar privilegiado ninguém tem o direito de tirá-la. 

O evangelho proclamado nesta solenidade é a grande prova de que o Pai, ao escolher uma mãe para o seu Filho, estabeleceu entre ambos uma relação profunda, permanente e eterna. O sinal das Bodas de Caná anuncia a missão de Jesus cuja obra de salvação se realizará na hora de sua morte e ressurreição. Ele é o novo Adão através do qual Deus renova a sua criação e estabelece a nova e eterna aliança. Assim como Deus não quis que Adão estivesse só, mas deu-lhe uma companheira, a sua mulher Eva; na nova criação, o Pai também não quis que o seu Filho estivesse só, por isso lhe deu uma mulher por mãe. O evangelista João teve o privilégio de contemplar a glória do Deus encarnado (Jo 1,14), e acolher, em sua casa, aquela que fora a primeira morada do Filho de Deus no mundo e que lhe foi entregue aos pés da cruz. Portanto, João, mais do que ninguém, pode nos falar do mistério que envolvia Mãe e Filho. E já no início do seu evangelho nos coloca diante desse mistério. Todas as vezes que se refere a Maria, prefere chamá-la “a Mãe de Jesus”, e nas palavras do próprio Jesus, “Mulher” (Jo 2,1.3.4.5.12; 18,25-27).

Mulher, por que dizes isso a mim?” (Tradução do Lecionário). Esta pergunta enigmática de Jesus diante do pedido implícito de Maria: “Eles não têm mais vinho”, torna-se a porta segura para uma verdadeira mariologia. A pluralidade de traduções indica a riqueza e complexidade dessa expressão (BJ: “Que temos nós com isso?”; TEB-Peregrino: “Que queres de mim?”; Pastoral: “Que existe entre nós?”; AM: “Isso nos compete a nós?”; NT-Paulinas: “Que isso importa a mim e a ti?”; CNBB: “Que é isso para ti e para mim?”). Literalmente no grego: “O que a mim e a ti, mulher?” (Tí emoi kai soi, gunai;). Certamente cada uma delas sublinha um aspecto, mas não consegue dizer tudo. 

Considerando a linguagem simbólica utilizada por João para falar da Nova Criação e, portanto, do Novo Adão e da Nova Eva, é preciso ter presente o contexto original (Gn 2,4b-23) para poder compreender melhor estas palavras de Jesus dirigidas a sua mãe. Por que Eva foi criada? Para ser uma companheira-auxiliar de Adão. O autor sagrado dramaticamente, com essa narração didática, declara que o homem sem a mulher seria um ser incompleto, a solidão o tornaria infeliz.  Por que o Verbo encarnado recebeu uma mãe? Assumindo em tudo a condição humana, o Filho de Deus quis precisar de uma mãe que lhe fosse companheira, auxiliar, que o ajudasse a se nutrir, a caminhar, a aprender tudo aquilo que é humano. Contudo, a sua presença auxiliadora não foi apenas funcional para os seus primeiros anos de vida, mas permaneceu durante toda a sua vida, até a cruz, não para ajudá-lo a morrer ou a salvar a humanidade, mas para receber dele o último pedido de ajuda em nosso favor: ser mãe dos seus discípulos.

A auxiliar de Adão tem dois nomes que a identificam: Mulher e Eva. No jogo morfológico e semântico do hebraico percebe-se melhor a íntima relação entre o homem e a mulher (ish: homem; isha: mulher). Na expressão enigmática de Jesus, temos a declaração de que o desígnio eterno do Deus verdadeiro de se tornar verdadeiro homem só foi possível quando encarnou-se numa mulher de verdade. Portanto, assim como Adão exclama de alegria: “Esta sim é osso de meus ossos e carne de minha carne! Ela será chamada mulher”, Jesus revela que é verdadeiramente homem pois a sua mãe é uma mulher. Se a primeira mulher foi chamada de Eva porque é a mãe dos viventes (hebraico: Havvah, da mesma raiz do verbo viver), Maria é a nova Eva porque o seu Filho é o Vivente, o salvador da humanidade e Filho único do Deus vivo. Eva foi tirada de Adão, Jesus nasceu de Maria. Adão sozinho não podia se sentir completo, Jesus não quis realizar a sua missão sozinho, mas contando com a colaboração da humanidade cuja primeira auxiliar é uma mulher: Maria, a sua mãe. Assim como Jesus chama os seus primeiros colaboradores às margens do Mar da Galileia, é muito significativo que a imagem da sua Mãe apareça nas redes de pescadores, renovando o mesmo convite de avançar para as águas mais profundas diante do insucesso da pesca e repetindo o mesmo pedido: “Fazei o que ele vos disser”.

Fonte: https://www.dehonianosbre.org.br/homilias/solenidade-de-nossa-senhora-aparecida–jo-2-1-11–aparecida-para-auxiliar

XXVIII Domingo do Tempo Comum (Bento XVI)

Deixe um comentário

Trecho da homilia do dia 10 de outubro de 2010, proferida pelo Papa Bento XVI na Capela Papal para a abertura da assembleia especial para o Médio Oriente do Sínodo dos Bispos.

Neste 28º Domingo do tempo per annum, a Palavra de Deus oferece um tema de meditação que se aproxima de modo significativo da celebração sinodal que hoje inauguramos. A leitura contínua do Evangelho de Lucas leva-nos ao episódio da cura dos dez leprosos, dos quais só um samaritano volta atrás para agradecer a Jesus. Em ligação a este texto, a primeira leitura tirada do segundo Livro dos Reis, narra o episódio da cura de Naamã, chefe do exército arameu, também ele leproso, que é curado mergulhando sete vezes nas águas do rio Jordão, segundo a ordem do profeta Eliseu. Também Naamã volta a procurar o profeta e, reconhecendo nele o mediador de Deus, professa a fé do único Senhor. Portanto, dois doentes de lepra, dois não-judeus, que são curados porque acreditam na palavra do enviado de Deus. Eles são curados no corpo, mas abrem-se à fé, que os cura na alma, ou seja, que os salva.

O Salmo responsorial entoa esta realidade: «O Senhor fez conhecer a sua salvação. / Manifestou a sua justiça à face dos povos. / Lembrou-se da sua bondade / e da sua fidelidade em favor da casa de Israel» (Sl 98, 2-3). Eis, então, o tema: a salvação é universal, mas passa através de uma mediação determinada, histórica: a mediação do povo de Israel, que depois se torna a de Jesus Cristo e da Igreja. A porta da vida está aberta para todos, mas é precisamente uma «porta», ou seja uma passagem definida e necessária. Afirma-o, de maneira resumida, a fórmula paulina que ouvimos na segunda Carta a Timóteo: «A salvação em Jesus Cristo» (2 Tm 2, 10). Trata-se do mistério da universalidade da salvação e, ao mesmo tempo, do seu vínculo necessário com a mediação histórica de Jesus Cristo, precedida por aquela do povo de Israel e prolongada por aquela da Igreja. Deus é amor e quer que todos os homens participem na sua vida; para realizar este desígnio, Ele, que é Uno e Trino, cria no mundo um mistério de comunhão humano e divino, histórico e transcendente: cria-o com o «método» — por assim dizer — da aliança, unindo-se com amor fiel e inesgotável aos homens, formando-se um povo santo, que se torna uma bênção para todas as famílias da terra (cf. Gn 12, 3). Ele revela-se assim como o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob (cf. Êx 3, 6), que quer conduzir o seu povo para a «terra» da liberdade e da paz. Tal «terra» não é deste mundo; todo o desígnio divino excede a história, mas o Senhor deseja edificá-lo juntamente com os homens, para os homens e nos homens, a partir das coordenadas do espaço e do tempo em que eles vivem e que Ele mesmo definiu.f

Fonte: https://www.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/homilies/2010/documents/hf_ben-xvi_hom_20101010_sinodo-mo.html

VIGÉSIMO OITAVO DOMINGO DO TEMPO COMUM (Ano C) – P. Lucas, scj

Deixe um comentário

Caros irmãos, a liturgia deste vigésimo oitavo Domingo do Tempo Comum, ano C, nos apresenta Jesus que cura dez leprosos, mas recebe a gratidão apenas de um deles (cf. Lc 17,11-19). Que o Espírito Santo nos abençoe com um coração agradecido.

O evangelho do domingo passado terminava nos lembrando de um fato: não é Deus quem precisa de nós – somos nós que precisamos dele (cf. Lc 11,10). Neste domingo, a cura dos dez leprosos e de Naamã (cf. 2Rs 5,14-17 – primeira leitura) nos ajuda a compreender que Deus é bondoso para com todos independentemente de sua crença. Precisamos, então, estar atentos à Sua presença e acolher com gratidão Seu amor através da fé, pois as palavras “Levanta-te e vai! Tua fé te salvou” (Lc 17,19), só foram escutadas por aquele que voltou para prostrar-se aos pés do Senhor dando-lhe graças (cf. Lc 17,16).

Isso nos leva a compreender que o Senhor nos quer dar um bem ainda mais profundo e necessário que a saúde física; trata-se da salvação “que está em Cristo Jesus, com a glória eterna” (2Tm 2,10 – segunda leitura). De fato, que vantagem haveria se recebêssemos os dons de Deus nesta vida sem nos voltar para Ele de modo a podermos viver e ser encontrados nele? Que bem passageiro podemos comparar à glória eterna que nos é dada pelo Senhor Jesus Cristo? Reconheçamos, portanto, tudo que temos recebido de Deus e lhe agradeçamos dedicando-lhe nossa vida.

Ó Pai, envia-nos o Espírito Santo para que tenhamos um coração cheio de fé e gratidão pela salvação que nos ofereces no Teu Filho Jesus Cristo. Maria, Mãe de Deus e nossa, ensina-nos a dizer sim a Deus. S. José, protegei-nos hoje e sempre.

Nesse dia 8 de outubro, celebramos o dia do nascituro. Rezemos por todos aqueles que vivem no ventre de suas mães e por aquelas que acolhem com amor seus filhos. Intercedamos por aquelas que perderam seus bebês e por aquelas que, em circunstâncias que não podemos julgar, os mataram. Oremos com confiança e façamos o que está ao nosso alcance para que não nos tornemos um país abortista.

Sub tuum præsidium confugimus.
sancta Dei Genitrix:
nostras deprecationes
ne despicias in necessitatibus:
sed a periculis cunctis libera nos semper,
Virgo gloriosa et benedicta.

XXVIII Domingo do Tempo Comum: Lc 17,11-19 – Gratidão: sinal de conversão

Deixe um comentário

Por Dom André Vital Félix da Silva, SCJ.

Os dez leprosos, que Jesus encontra à entrada do povoado, têm em comum duas situações existenciais: a doença e a cura. A doença os torna solidários, pois a desventura, a dor, o sofrimento, não distinguem cor, raça, condição social ou econômica e, nem mesmo, convicção religiosa. Situações-limite sempre levam as pessoas, na luta pela sobrevivência, a uma superação de preconceitos ou, ao menos, as tornam mais receptivas na aceitação de uma simples presença que alivie a sua dor. Se entre eles havia um samaritano, certamente os demais eram judeus ou provenientes das outras regiões. Caso fossem pessoas sadias, por causa de seus preconceitos raciais, certamente nunca se permitiriam estar tão próximas. Contudo, formavam um grupo unitário de dez homens, que padeciam de duas grandes e dilacerantes dores.

No corpo físico, assistiam impotentemente à destruição dos seus nervos, cujo sinal era visto na sua pele carcomida pela lepra, ou nos membros do seu corpo esmigalhados pelas consequências da doença; sem contar a humilhação do mal cheiro que exalavam, assemelhando-se aos cadáveres de animais mortos ao longo da estrada. No corpo social, suportavam a dor da marginalização, pois como membros decepados de suas famílias, de suas comunidades religiosas e de seus agrupamentos sociais, por causa da ignorância e do preconceito, deveriam viver isolados dos “sãos”.

A situação existencial desse grupo não se diferencia muito da realidade do ser humano da nossa sociedade. Não são poucas as pessoas que estão marcadas profundamente pelas lepras atuais, causadas conscientemente sobretudo pelas potentes ideologias que produzem inúmeras levas de agrupamentos humanos que compartilham da mesma dor, isto é, a privação das mínimas condições de dignidade de vida (refugiados, ignorantes políticos manipulados por falsos líderes ou enfeitiçados por seus discursos demagógicos, adolescentes e jovens escravizados pelos modismos impostos por poderosos grupos econômicos etc.). 

O encontro com Jesus é decisivo para o início de um caminho de cura e salvação para todos os leprosos (de ontem e de hoje). Numa sociedade de doentes, certamente muitos desejam a cura, mas nem sempre reconhecem que necessitam de algo a mais, isto é, a plenitude de vida, a salvação.

A primeira atitude para alcançar a cura e a salvação é a obediência à Palavra de Jesus. Uma obediência que manifesta abertura, humildade, confiança e fé. Os leprosos gritam por compaixão, e Jesus responde com um mandato: “Ide mostrai-vos aos sacerdotes”; antes mesmo de curá-los, o Senhor os desafia a crer na sua palavra. Dando o passo da fé, receberam a cura, mas isso não era tudo, pois o caminho completo não se faz apenas com alguns passos. Há tantas pessoas que suplicam ao Senhor por uma cura, e quando a alcançam, voltam para suas casas contentes, mas não estão dispostas a continuar a estrada. Encontraram a resolução de um problema na vida, mas não encontram a vida plena, pois contentam-se apenas com o mínimo. 

Só o samaritano conseguiu mais do que uma cura, ele encontrou o caminho da plenitude de vida porque foi capaz de assumir duas outras atitudes. Curado, ele voltou para Jesus com a disposição de discípulo, que prosta-se aos pés do Mestre para ouvir o que ele ainda tinha a dizer (grego: hypéstrepsen, é um verbo composto de duas palavras significativas: voltar para os pés). O verbo “voltar”, tanto no grego (strefo) quanto no hebraico (shuv), é usado para indicar conversão, mudança de rumo. Portanto, o samaritano leproso não apenas foi purificado no corpo, mas empreendeu um verdadeiro itinerário de mudança de vida. Nem sempre as pessoas que alcançam curas se convertem verdadeiramente, tornam-se discípulas.

A outra atitude fundamental daquele que voltou foi a gratidão: “Retornou em alta voz dando glória a Deus”. O seu reconhecimento diante do bem recebido tornou-se anúncio público, ao longo do seu caminho; assim como os anjos de Belém que cantavam glória a Deus por ocasião do nascimento de Jesus, agora o leproso curado dá glória a Deus pois reconhece ter nascido de novo, tinha recuperado a vida, o convívio, a dignidade. Sua gratidão alcança o ponto mais alto quando “caiu sobre o rosto aos pés de Jesus agradecendo” (Lucas usa o verbo eucharisto, mesma raiz de eucaristia, agradecer, ação de graças). Esse mesmo gesto de gratidão fará Jesus ao Pai no momento em que ele, na última ceia, anunciará a sua morte e ressurreição (cf. Lc 22,19). A celebração da Eucaristia não é apenas momento de cura e libertação, mas é anúncio e atualização da Salvação realizada por Jesus.

Se o primeiro mandato de Jesus aos leprosos garantiu-lhes a cura, o segundo àquele único que voltou (converteu-se), assegura-lhe a salvação: “Levanta-te e vai; a tua fé te salvou”. Na primeira vez, os leprosos se levantaram com a esperança da cura; na segunda, o único que voltou, levantou-se com a garantia da salvação. Esse não foi apenas purificado de uma doença, mas mergulhado na plenitude da vida. Assim como ele anunciou o benefício da cura recebida, glorificando a Deus no caminho, Jesus o declara ressuscitado para uma vida nova (“Levanta-te”, grego avastàs, do verbo avaistemi traduzido por levantar, ressuscitar). O leproso curado nos ensina que gratidão não é pagamento de um bem recebido, mas reconhecimento e testemunho de um bem que nos foi dado, isto é, a salvação. Se a fé nos ajuda a reconhecer tão grande bem, irresistivelmente só haverá um modo de agradecer: converter-se.

Fonte: https://www.dehonianosbre.org.br/homilias/xxviii-domingo-do-tempo-comum–lc-17-11-19–gratidao–sinal-de-conversao

Older Entries