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VIGÉSIMO PRIMEIRO DOMINGO DO TEMPO COMUM (Ano A) – P. Lucas, scj

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Caros irmãos, na liturgia do vigésimo primeiro domingo do Tempo Comum, Ano A, vamos contemplar mais uma vez a profissão de fé de S. Pedro e a proclamação por Cristo de sua missão. Abramos o coração ao Espírito Santo a fim de que nossa fé seja fortalecida.

Na entrega das chaves a Pedro (cf. Mt 16,19), Jesus cumpre a profecia de Isaías que ouvimos na primeira leitura (cf. Is 22,21-23): é o Apóstolo aquele administrador prometido em Eliacim, no qual Deus age livremente conforme a Sua vontade. Por isso, todo ministério na Igreja, sobretudo o pastoral, é exercido na pobreza e no temor de quem lida com um tesouro que não lhe pertence. Agradeçamos ao Senhor por confiar seus tesouros à nossa fraqueza e rezemos sempre por nossos pastores – o papa, os bispos e os demais sacerdotes.

Na cena da profissão de fé de Pedro (cf. Mt 16,13-16), por sua vez, vemos uma característica muito importante do seguimento de Jesus: ele não se dá no ouvir dizer, mas, pelo poder do Espírito Santo, no encontro com Cristo que revela interiormente o Amor do Pai que dá sentido à nossa vida. Abramo-nos, portanto, para que, iluminados pela luz divina, cresçamos sempre mais em nossa experiência de fé.

Pai santo, dá-nos o Espírito Santo para sejamos um na fé de Teu Filho, Jesus Cristo. Maria, Mãe da Igreja, ajuda-nos a crescer na fé. S. José, dá-nos um coração íntimo ao de Jesus.

Sub tuum præsidium confugimus.
sancta Dei Genitrix:
nostras deprecationes
ne despicias in necessitatibus:
sed a periculis cunctis libera nos semper,
Virgo gloriosa et benedicta.

XXI Domingo Tempo Comum: Mt 16,13-20 – A fé de Pedro: a pedra da fé

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Por Dom André Vital Félix da Silva, SCJ.
O Evangelho de hoje, tradicionalmente chamado de confissão de fé de Simão Pedro, apresenta-nos o desafio de Jesus dirigido a toda pessoa que deseja segui-lo, isto é, saber quem Ele é para saber em quem acredita, a fim de decidir com convicção se permanece ou não com Ele, assumindo todas as consequências e implicações dessa opção fundamental. É impossível seguir com fidelidade o Mestre se não formos capazes de responder a sua pergunta fundamental: “Quem dizeis que eu sou?” Respostas genéricas não são suficientes para dar consistência à perseverança e à fidelidade, exigências fundamentais para o seguimento.

É muito significativo que essa pergunta de Jesus esteja inserida depois de algum tempo de convivência com os seus discípulos. Depois de terem compartilhado com o Mestre tantas experiências, testemunhado muitos dos seus milagres, e serem instruídos por seus ensinamentos, agora chegou o momento de manifestarem que tipo de conhecimento têm Daquele que estão seguindo.

O princípio do conviver para conhecer, cuja consequência natural será amar ou rejeitar, torna-se uma regra fundamental para toda pessoa que recebeu a graça da fé cristã. Afirmar que seguimos um desconhecido é, na verdade, um sinal de que não o estamos seguindo.
A pergunta de Jesus se dá em dois momentos. Por um lado, retoma-se toda a tradição de espera messiânica vetero-testamentária, de expectativa de quem seria o enviado de Deus e esperado pelo povo: “Quem dizem os homens ser o Filho do homem?”, por outro, o Mestre ajuda os seus discípulos à tomada de consciência da motivação que os sustenta no seguimento, e, consequentemente, exige discernimento a fim de consolidar a perseverança nos passos Daquele que eles conhecem ou, por outro lado, a desistência e o abandono Daquele que não conhecem.A fé cristã, no seu dinamismo essencial, expressa-se como dom vindo do Pai que, uma vez acolhido, conduz ao encontro com o Filho. A fé não é pílula mágica que produz mecanicamente efeitos mirabolantes, mas é semente que produz muitos e abundantes frutos em vista da implantação do Reino dos Céus, cujo sacramento é a Igreja (Lumen Gentium n. 48).

Jesus ao perguntar aos discípulos sobre o conhecimento que tinham Dele, não está expressando uma ignorância de sua parte, mas quer lhes favorecer uma ocasião para que tomem consciência daquilo que eles sabem sobre Jesus. Mais do que suprir a falta de conhecimento de Jesus, é permitir aos discípulos que expressem com sinceridade a verdade que eles acreditam, ainda que não de forma acabada e perfeita, pois ainda há caminho pela frente rumo à cruz, momento imprescindível para se chegar ao pleno conhecimento de quem é Jesus e qual a sua missão. Por isso, enquanto não se chega à cruz, “não se deve dizer a ninguém que Ele era o Messias”, uma vez que nenhum daqueles que se declararam “messias” anunciou a sua morte de cruz e sua ressurreição (ver Mt 16,21).

No dizer do povo, o esperado das expectativas messiânicas era um dos grandes profetas; partindo do profeta conhecido mais recente, João Batista, cujo modo de viver se assemelhava ao profeta Elias, e citando o profeta Jeremias, incluíam-se todos os outros. Portanto, o povo já manifestara a sua opção em relação aos enviados de Deus; entre reis, sacerdotes, profetas, estes últimos representavam melhor os anseios do povo que aguardava a realização das promessas. Porém, todos esses profetas já tinham realizado a sua missão, e não podiam ser identificados como o Messias, pois estavam já mortos. Portanto, acreditar que fosse um desses, não haveria mais sentido aguardar o enviado de Deus.

Os discípulos não apenas ouviram falar de promessas que se realizariam com a chegada do Messias, mas estavam já diante de uma nova realidade, pois foram testemunhas da presença do Noivo. Reconhecê-lo era o passo decisivo. Por isso Jesus inverte a pergunta: “E vós quem dizeis que eu sou?” Não é mais o dizer de terceiros ou afirmações imprecisas e genéricas, mas uma resposta a partir de uma experiência pessoal e comunitária, concreta, isto é, por meio de uma adesão de fé que se chega a aprofundar o conhecimento da pessoa de Jesus cujo sinal mais coerente é o seguimento.

Simão Pedro respondendo: “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo”, explicita a única e suficiente razão de eles não terem ainda abandonado o Mestre, pois àquelas alturas, muitos já tinham feito. Na lógica da continuidade com o Antigo Testamento, reconhecer Jesus como Messias era possível, não representava uma opção extraordinária. Contudo, afirmar que o Messias era o Filho do Deus vivo, extrapolava toda as expectativas e possibilidades de aceitação inclusive religiosa. Afirmar que o Messias Jesus se diferenciava de todos os outros pela sua natureza divina era a mudança essencial do modo de crer e daquilo em que acreditar. E este passo não seria possível apenas por inciativa humana, fruto de raciocínios e especulações inclusive religiosas, por isso Jesus proclama: “Bem-aventurado és tu, Simão, filho de Jonas, porque não foi um ser humano (grego: sarks kai haima, carne e sangue) que te revelou isso, mas o meu Pai que está no céu”.

Mais uma vez se reafirma que a fé que conduz ao Filho é um dom de Deus, mas é preciso tomar decisões que testemunhem essa adesão de fé feita por pessoas concretas.

No encontro dos discípulos com o Senhor, numa perspectiva de dom gratuito do Pai, fundamenta-se a comunidade de fé, a Igreja. Sem a pedra da fé, a construção é inconsistente, destinada à ruína. A pedra sobre a qual se edifica a Igreja é a fé professada pelos apóstolos, pessoas concretas que testemunharam com a vida a sua convicção de que Jesus é o Filho de Deus, por conseguinte, a sua fé, representada na fé de Pedro, tornou-se a pedra da fé para todos que creem.

Fonte: https://www.dehonianosbre.org.br/homilias/xxi-domingo-tempo-comum–mt-16-13-20–a-fe-de-pedro–a-pedra-da-fe

HOMILIA DO PAPA BENTO XVI NA SOLENIDADE DA ASSUNÇÃO CELEBRADA NA PARÓQUIA PONTIFÍCIA DE S. TOMÁS DE VILLANOVA

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Castel Gandolfo, 15 de Agosto de 2005

Caros Irmãos no Episcopado 
e no Sacerdócio 
Queridos Irmãos e Irmãs 

Antes de tudo, dirijo uma cordial saudação a todos vós. É uma grande alegria para mim celebrar a Missa nesta bela igreja paroquial no dia da Assunção. Saúdo o Cardeal Sodano, o Bispo de Albano, todos os sacerdotes, o Presidente da Câmara e todos vós. Obrigado pela vossa presença. A festa da Assunção é um dia de alegria. Deus venceu. O amor venceu. Venceu a vida. Mostrou-se que o amor é mais forte do que a morte. Que Deus tem a verdadeira força e a sua força é bondade e amor. 

Maria foi elevada ao céu em corpo e alma: também para o corpo existe um lugar em Deus. Para nós o céu já não é uma esfera muito distante e desconhecida. No céu temos uma mãe. E a Mãe de Deus, a Mãe do Filho de Deus, é a nossa Mãe. Ele mesmo o disse. Ele constituiu-a nossa Mãe, quando disse ao discípulo e a todos nós: “Eis a tua Mãe!” No céu temos uma Mãe. O céu está aberto, o céu tem um coração. 

No Evangelho ouvimos o Magnificat, esta grande poesia pronunciada pelos lábios, aliás, pelo coração de Maria, inspirada pelo Espírito Santo. Neste cântico maravilhoso reflecte-se toda a alma, toda a personalidade de Maria. Podemos dizer que este seu cântico é um retrato, é um verdadeiro ícone de Maria, no qual podemos vê-la precisamente como é. Gostaria de realçar somente dois pontos deste grande cântico. Ele inicia com a palavra “Magnificat”: a minha alma “engrandece” o Senhor, ou seja, “proclama grande” o Senhor. Maria deseja que Deus seja grande no mundo, seja grande na sua vida, esteja presente entre todos nós. Não teme que Deus possa ser um “concorrente” na nossa vida, que nos possa tirar algo da nossa liberdade, do nosso espaço vital com a sua grandeza. Ela sabe que, se Deus é grande, também nós somos grandes. A nossa vida não é oprimida, mas elevada e alargada: justamente então torna-se grande no esplendor de Deus. 

O facto de que os nossos antepassados pensassem o contrário foi o núcleo do pecado original. Temiam que se Deus tivesse sido grande demais teria tirado algo da sua vida. Pensavam que deveriam pôr Deus de lado a fim de ter espaço para eles mesmos. Esta foi também a maior tentação da época moderna, dos últimos três ou quatro séculos. Sempre mais se pensou e também se disse: “Mas este Deus não nos deixa a nossa liberdade, torna estreito o espaço da nossa vida com todos os seus mandamentos. Portanto, Deus deve desaparecer; queremos ser autónomos, independentes. Sem este Deus nós mesmos seremos deuses, fazendo o que queremos nós”. Este também era o pensamento do filho pródigo, o qual não entendeu que, precisamente pelo facto de estar na casa do pai, era “livre”. Foi-se embora para cidades longínquas e consumiu o património da sua vida. No final compreendeu que, justamente por se ter distanciado do pai, em vez de ser livre, tornou-se escravo; entendeu que somente retornando à casa do pai teria podido ser livre verdadeiramente, em toda a beleza da vida. Assim é também na época moderna. Antes pensava-se e acreditava-se que, afastando Deus e sendo autónomos, seguindo somente as nossas ideias, a nossa vontade, nos tornaríamos realmente livres, podendo fazer quanto quiséssemos sem que ninguém pudesse dar-nos alguma ordem. Mas, onde desaparece Deus, o homem não se torna grande; ao contrário, perde a dignidade divina, perde o esplendor de Deus no seu rosto. No fim resulta somente o produto de uma evolução cega e, como tal, pode ser usado e abusado. Foi precisamente quanto a experiência desta nossa época confirmou. 

Somente se Deus é grande, o homem também é grande. Com Maria devemos começar a entender que é assim. Não devemos distanciar-nos de Deus, mas tornar Deus presente; fazer com que Ele seja grande na nossa vida; assim também nós nos tornamos divinos; todo o esplendor da dignidade divina então é nosso. Apliquemos isto à nossa vida. É importante que Deus seja grande entre nós, na vida pública e na vida privada. Na vida pública é importante que Deus esteja presente, por exemplo, através da Cruz nos edifícios públicos, que Deus esteja presente na nossa vida comum, porque somente se Deus está presente temos uma orientação, uma estrada comum; se não os contrastes tornam-se inconciliáveis, deixando de existir o reconhecimento da dignidade comum.

Tornemos grande Deus na vida pública e na vida privada. Isto quer dizer, dar espaço todos os dias a Deus na nossa vida, começando de manhã com a oração, e depois dando tempo a Deus, dando o domingo a Deus. Não perdemos o nosso tempo livre se o oferecermos a Deus. Se Deus entra no nosso tempo, todo o tempo se torna maior, mais amplo, mais rico. 

Segunda observação. Esta poesia de Maria o Magnificat é toda original; contudo, ao mesmo tempo, é um “tecido” feito totalmente com “fios” do Antigo Testamento, feito de palavra de Deus.

Dessa maneira, vemos que Maria era, por assim dizer, “em casa” na palavra de Deus, vivia da palavra de Deus, estava imbuída da palavra de Deus. Na medida em que falava com as palavras de Deus, pensava com as palavras de Deus, os seus pensamentos eram os pensamentos de Deus, as suas palavras as palavras de Deus. Era invadida pela luz divina e por isso era tão esplêndida, tão bondosa, tão radiante de amor e de bondade. Maria vive da palavra de Deus, é inundada pela palavra de Deus. E este estar imersa na palavra de Deus, este ser totalmente familiar com a palavra de Deus dá-lhe também a luz interior da sabedoria. Quem pensa com Deus pensa bem, e quem fala com Deus fala bem. Tem critérios de juízo válidos para todas as coisas do mundo. Torna-se sábio, prudente e, ao mesmo tempo, bom: torna-se também forte e corajoso, com a força de Deus que resiste ao mal e promove o bem no mundo. 

E, assim, Maria fala connosco, fala a nós, convida-nos a conhecer a palavra de Deus, a amar a palavra de Deus, a viver com a palavra de Deus, a pensar com a palavra de Deus. E podemos fazê-lo de diversíssimos modos: lendo a Sagrada Escritura, sobretudo participando na Liturgia, na qual no decurso do ano a Santa Igreja nos abre diante todo o livro da Sagrada Escritura. Abre-o para a nossa vida e torna-o presente na nossa vida. Penso ainda no “Compêndio do Catecismo da Igreja Católica”, que recentemente publicámos, no qual a palavra de Deus é aplicada à nossa vida, interpreta a realidade da nossa vida, ajuda-nos a entrar no grande “templo” da palavra de Deus, a aprender a amá-la e a estar como Maria, imbuídos desta palavra. Desse modo a vida torna-se luminosa e temos o critério como base para julgar, recebemos bondade e força no mesmo momento. 

Maria é elevada em corpo e alma à glória do céu e com Deus e em Deus é rainha do céu e da terra. Porventura, está tão distante de nós? É verdadeiro o contrário. Precisamente porque está com Deus e em Deus, está pertíssimo de cada um de nós. Quando estava na terra podia somente estar perto de algumas pessoas. Estando em Deus, que está próximo de nós, que está no “interior” de todos nós, Maria participa nesta aproximação de Deus. Estando em Deus e com Deus, está perto de cada um de nós, conhece o nosso coração, pode ouvir as nossas orações, pode ajudar-nos com a sua bondade materna e é-nos dada como disse o Senhor como “mãe”, à qual podemos dirigir-nos em todos os momentos. Ela escuta-nos sempre, está sempre perto, e sendo Mãe do Filho, participa no poder do Filho, na sua bondade. Podemos confiar sempre toda a nossa vida a esta Mãe, que não está longe de nós. 

Neste dia de festa, damos graças ao Senhor pelo dom da Mãe e rezemos a Maria, a fim de que nos ajude a encontrar o caminho justo todos os dias. Amém.

Fonte: https://www.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/homilies/2005/documents/hf_ben-xvi_hom_20050815_assunzione-maria.html

SOLENIDADE DA ASSUNÇÃO DA BEM-AVENTURADA VIRGEM MARIA – P. Lucas, scj

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Caros irmãos, neste domingo, celebramos a Solenidade da Assunção de Nossa Senhora, transferida do último dia 15. Nela, a liturgia nos apresenta o Magnificat, canto no qual contemplamos a grandeza do amor de Deus que se manifesta na vida de nossa Mãe santíssima (cf. Lc 1,39-56). Que o Espírito Santo, pela intercessão da Virgem, neste dia, preencha nosso coração e transforme a nossa vida.

O mistério da Assunção da Bem-aventurada Virgem Maria é um grande sinal que orienta nosso caminho, uma grande luz que ilumina nossa estrada neste mundo. De fato, ao contemplarmos Maria assunta em corpo e alma à glória celeste [1], podemos firmar nossa fé na vitória de Cristo sobre o pecado e a morte: Ele cumpre Suas promessas e a esperança que nos dá não é ilusão – somos acolhidos pela misericórdia na totalidade de nosso ser.

Para tanto, é preciso abrir o coração à Graça divina para que Deus seja grande em nós: nisso, a Virgem Maria é nosso modelo. Ela, com efeito, fez-se tão humilde que, nela, o Senhor pôde ser e fazer coisas grandes (cf. Lc 1,46-49). Podemos dizer, dessa forma, que a alma de Nossa Senhora é o lugar onde mais perfeitamente o Senhor, nosso Deus, manifesta a Sua grandeza elevando ao mais alto dos céus aquela que se mostrou tão pequena. Enchamo-nos, portanto, de confiança, pois Ele não se recusa a ficar próximo de nossa baixeza desde que não estejamos endurecidos em nossa soberba.

Ó Deus, nosso Pai, envia-nos o Espírito Santo para que Teu Filho, Jesus Cristo, viva e seja engrandecido em nós. Maria, nossa Mãe, dá-nos um coração dócil a Deus. S. José, nosso protetor, leva-nos a intimidade com Jesus.

Sub tuum præsidium confugimus.
sancta Dei Genitrix:
nostras deprecationes
ne despicias in necessitatibus:
sed a periculis cunctis libera nos semper,
Virgo gloriosa et benedicta.

[1] Pio XII, Munificentissimus Deus. Disponível em: https://www.vatican.va/content/pius-xii/pt/apost_constitutions/documents/hf_p-xii_apc_19501101_munificentissimus-deus.html

Solenidade da Assunção de Maria: Lc 1,39-56 – No céu, no céu, com minha mãe estarei

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Por Dom André Vital Félix da Silva, SCJ.

Muitos de nós tivemos a graça de ouvir esta singela canção: “No céu, no céu, com minha mãe estarei”, quando éramos embalados no coloco de nossa mãe ou avó, ainda crianças. Certamente não tínhamos capacidade de fazer elucubrações teológicas, nem muito menos criticar essa afirmação não tão compreensível do ponto de vista racional. Mas certamente, essa canção, com a sua tranquilizadora sonoridade unida ao aconchego acalentador dos braços de quem nos embalava, conduzia-nos a uma tão grande segurança e abandono que acabávamos mergulhando profundamente no sono necessário e restaurador. 

A Solenidade da Assunção de Maria, antes mesmo de nos recordar uma afirmação dogmática proclamada oficialmente pela Igreja (Pio XII, 01.11.1950), proporciona-nos uma das mais belas capacidades do ser humano enquanto caminha na terra, isto é, poder olhar para o céu, reconhecer que a sua estrada não se dirige para um abismo desolador, mas é pista de decolagem para alçar o voo cujo destino é a plenitude da vida. 

Crer que Maria foi elevada aos céus é uma consequência natural de crer que o seu Filho, morto e ressuscitado, encarnou-se verdadeiramente, assumiu a nossa condição humana para redimi-la, elevá-la. Jesus voltar para o céu sozinho era levar consigo um atestado de obra não concluída, missão frustrada. Maria elevada ao céu, depois do Filho, é prova de que, de fato, tudo está consumado.  

A celebração de hoje nos ajuda a sintonizarmos com uma verdade que reafirma o poder do Altíssimo, que fez grandes coisas na sua pobre e humilde serva, chamando-a de Nazaré para um dia ser do céu. Entre essas grandes maravilhas que o Todo-poderoso realizou nela, resplandecem a sua eleição e vocação: “Achaste graça diante de Deus”, a sua Maternidade Divina: “De onde me vem a graça que a Mãe do meu Senhor venha me visitar”, e o dom da salvação a ela concedido, pois foi preservada de toda mancha de pecado, tornando-se a primeira morada no mundo da Palavra Encarnada: “O Espírito Santo descerá sobre ti”. Portanto, quem a quis como sua morada na Terra, certamente a levou para habitar na sua morada no céu.

Maria é a obra prima das mãos de Deus na nova criação. Ele a quis como Mãe do Vivente, do Primogênito dentre os mortos. Portanto, como poderia a Mãe Daquele que vive para sempre não ter parte na sua ressurreição, uma vez que participou da sua vida e da sua morte?! Como poderia jazer na sombra da morte, e ser aprisionada num túmulo, aquela que acolheu no seu seio o autor da vida e o vencedor da morte?! Como poderia permanecer no sono da morte aquela que foi feita a aurora da Salvação, aquela que presenciou o raiar do novo dia e foi iluminada pela luz que não se apaga?! 

A subida de Maria para os céus não se deu apenas no momento de sua morte, pois toda a sua vida foi um constante elevar-se para Deus. Indo à casa de Isabel para testemunhar o impossível do poder de Deus, que faz da estéril, mãe feliz em sua casa (cf. Sl 113,9), é proclamada também ela feliz por ter aceitado ser a casa de Deus, ao acolher no seu ventre o fruto bendito.

Ao receber Maria em sua casa, Isabel dá o grande testemunho de que está diante de alguém que se tornou o céu na terra, isto é, a morada do Altíssimo, a magnitude do grito da anciã (grego: anefovesen kraugê megalê, proferiu em grito grande) não está tanto no volume de sua voz, mas na grandeza daquilo que ela proclama, pois estava cheia do Espírito Santo ao exclamar: “Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre!” Alegria de Isabel e os pulos de exultação de seu filho, o maior profeta nascido de mulher (cf. Mt 11,11), indicam que a profecia de Isaías está se cumprindo: “Entoa alegre canto, ó estéril, que não deste à luz; ergue gritos de alegria, exulta, tu que não sentiste as dores de parto…” (Is 54,1). São Paulo vai atribuir essas palavras à Igreja, a quem chama a Jerusalém do Alto (Gl 4,27), o novo Povo de Deus.

Isabel reconhece em Maria esse novo povo, não mais formado por laços de sangue ou de membros de uma raça, mas um povo reunido pela mesma fé: “Bem-aventurada aquela que acreditou” (note-se que não diz “tu”, mas “aquela”, modo de indicar que Maria passa de uma pessoa individual para uma personalidade corporativa, representativa de uma coletividade). Na tradição bíblica, tanto o povo de Israel quanto a Igreja são representados por uma mulher (esposa, noiva, a mulher da 1ª Leitura). 

Maria responde à proclamação de Isabel, com o Magnificat, cântico-memorial dos grandes feitos do Todo-Poderoso ao longo da história do seu povo, e, ao mesmo tempo, reconhece sua pequenez, assumindo o compromisso de continuar sendo a serva do Senhor, ainda que tenha sido elevada à dignidade de mãe do Rei; e mesmo sentada à sua direita, por direito, “com veste esplendente de ouro de Ofir”, continua junto ao seu povo anunciando aos humildes e famintos que o Todo-Poderoso realiza o que promete, pois é fiel à sua aliança. 

O Documento de Puebla (n. 297) afirma que o Magnificat é o “Espelho da alma de Maria, o cume da espiritualidade dos pobres de Javé e do profetismo da Antiga Aliança e o prelúdio do Sermão da Montanha”. Assim como no Antigo Testamento, o Magnificat assemelha-se a um salmo de louvor, composto de três partes, isto é, um convite ao louvor de Deus: “A minha alma engrandece o Senhor”. É Maria quem toma a iniciativa e não apenas sugere que outros louvem a Deus. Muitas vezes nossas liturgias são deformadas porque quem está à frente convida a assembleia a louvar, a rezar, mas ele mesmo não reza. Em seguida, Maria enumera os motivos pelos quais a sua alma prorrompe no louvor, ou seja, não faz afirmações genéricas e repetitivas, mas elenca as ações salvadoras de Deus em favor do seu povo, pois o Senhor é poderoso, sábio e misericordioso. Por fim, Maria conclui o seu louvor afirmando que tudo aquilo que o Senhor realiza é cumprimento de suas promessas, das quais Ele não se esquece, pois mantém-se fiel.  Cantar o Magnificat é reconhecer a ação de Deus que atinge tanto a pessoa quanto a humanidade, passando pelo testemunho de um povo concreto. Cantar o Magnificat é crer que tornar-se serva do Senhor, abaixar-se para o serviço, é o caminho mais seguro para chegar ao mais alto dos céus, é estar ao lado do Senhor que se tornou servo de todos.

Fonte: https://www.dehonianosbre.org.br/homilias/solenidade-da-assuncao-de-maria–lc-1-39-56–no-ceu-no-ceu-com-minha-mae-estarei

DÉCIMO NONO DOMINGO DO TEMPO COMUM (Ano A) – P. Lucas, scj

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Caros irmãos, neste décimo nono domingo do Tempo Comum, a liturgia nos leva a rezar com o relato de Jesus que caminha sobre as águas para alcançar os discípulos na barca (cf. Mt 14,22-33). Invoquemos o Espírito Santo para que Sua luz conduza a nossa vida e a de nossa família.

Em primeiro lugar, vemos nosso Senhor dando-nos o exemplo necessário para nossa vida de oração. De fato, depois de despedir as multidões, “Jesus subiu ao monte, para orar a sós. A noite chegou, e Jesus continuava ali, sozinho” (Mt 14,23). Ora, Jesus Cristo, verdadeiro Deus com o Pai e o Espírito Santo, fazendo-se homem como nós, dedicou-se à oração, quem somos nós para não nos dedicar a esse exercício fundamental de nossa fé? Precisamos, portanto, dar a Deus o tempo oportuno, não apenas aquele que nos sobra, as migalhas do nosso dia, para fazer do nosso encontro com Ele a prioridade absoluta de nossa vida.

Além disso, vemos a necessidade que temos da presença de nosso Senhor, à qual nos ligamos através da oração, por aquilo que Ele fez depois de rezar. De fato, Jesus vem ao encontro dos Seus enquanto a barca agitada pelas ondas (cf. Mt 14,25), exorta-os à coragem (cf. Mt 14,27) e lhes estende a mão quando fraquejam (cf. Mt 14,31). Dessa maneira, Ele nos mostra que, apesar das dificuldades em sua peregrinação, a Igreja conta sempre com a Sua presença. Por isso, não devemos temer quaisquer desafios e, ainda que nossos pecados nos oprimam, podemos contar sempre com sua mão para nos levantar e nos reconduzir ao Caminho.

Pai, dá-nos o Espírito Santo para que nossa oração cotidiana produza frutos e, dessa forma, estejamos cada vez mais unidos a Teu Filho, Jesus Cristo. Maria, Mãe da Igreja, ensina-nos a reconhecer e guardar no coração a ação de Deus em nossa vida. S. José, nosso protetor, dá-nos a intimidade com Jesus.

Sub tuum præsidium confugimus.
sancta Dei Genitrix:
nostras deprecationes
ne despicias in necessitatibus:
sed a periculis cunctis libera nos semper,
Virgo gloriosa et benedicta.

Desejo a todos um feliz dia dos pais e uma abençoada semana da família.

XIX Domingo Tempo Comum: Mt 14,22-33. Vem a mim para descobrires quem és!

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Por Dom André Vital Félix da Silva, SCJ.

Mais uma vez estamos diante de uma cena que evidencia o objetivo fundamental do evangelho, isto é, responder a pergunta: quem é Jesus? Contudo, não precisava lembrar, aqui não se trata de uma resposta teórica ou de especulações racionais. Somente fazendo a experiência do encontro com Ele é que poderemos saber quem Ele é; eis a condição indispensável para amá-lo a ponto de deixar tudo e segui-lo, a fim de partilhar de sua missão e destino. Para responder teoricamente essa pergunta, bastaria o versículo 33: “Verdadeiramente, tu és o Filho de Deus”. Porém, não é suficiente fazer rápidas afirmações de simpatizantes; indispensável se torna a convicção da fé, caso contrário, naufragaremos entusiasmados, mas não teremos fé suficiente para atravessar o mar encapelado. 

O evangelista, ao traçar o itinerário para o conhecimento da pessoa de Jesus, também revela quem se aproxima do Mestre; evidenciando atitudes, pretensões, expectativas, misérias e virtudes daquele que está na experiência dinâmica de tornar-se discípulo. Estabelece-se assim um profundo e inter-relacionado paralelo de revelação tanto da pessoa de Jesus quanto dos seus discípulos.

Depois da multiplicação dos pães e tendo despedido as multidões, Jesus realiza duas ações intrinsicamente relacionadas: primeiro, obriga (grego: anagkádzo, obrigar, forçar, exige obediência absoluta) os discípulos a entrarem na barca (literalmente: subir; grego: em-baino) e, depois, Ele mesmo sobe (grego: ana-baino) o monte. Duas subidas que se tornam reveladoras e preparam a terceira subida como síntese dessa revelação, quando Jesus sobe sobre as águas caminhando, fazendo assim recordar a teofania do Antigo Testamento como diz o salmo “Quando as águas, ó Senhor, vos avistaram, elas tremeram e os abismos se agitaram e as nuvens derramaram suas águas, a tempestade fez ouvir a sua voz, por todo lado se espalharam vossas flechas” (77,17-18).

Muito belo o díptico apresentado por Mateus: os discípulos na barca atravessando o mar revolto (retrata a missão da Igreja), e Jesus no monte orando (intercessão para que discípulos não sucumbam), pois a barca agitada pelo vento (grego: basnidzo, torturada, atormentada) não só exige uma permanente luta dos discípulos para que não afunde, mas também o sustento divino. Um paralelo evidente entre Jesus e Moisés cuja intercessão no cimo da montanha alcançou a vitória de Israel contra os amalecitas (cf. Ex 17,8-16). A luta dos discípulos na barca coincide com a permanência de Jesus no monte em oração; ao descer vem ao encontro deles andando sobre as águas manifestando assim que Ele é o Senhor que tem poder e domínio sobre tudo, inclusive sobre o mar, que nas grandes mitologias universais é símbolo das forças ameaçadoras, do mal e da morte.

Os discípulos ao verem-no andando sobre o mar, ficaram apavorados e disseram: É um fantasma”. No grupo havia pescadores, mas mesmo sendo homens conhecedores do mar e de suas vicissitudes não conseguiram acalmar os demais, e todos foram tomados de pavor, sintoma da falta de fé e de bom senso. Assim como Moisés que diante do fenômeno extraordinário da sarça ardente que não se consumia não podia entender o que era aquilo a não ser se aproximando, assim também os discípulos não puderam compreender o que era aquele fato extraordinário: alguém caminhando sobre as águas. Portanto, é Jesus a tirar toda ambiguidade da visão. Tanto para Moisés quanto para os discípulos, a revelação daquela realidade se dá pela proclamação da identidade de Deus: “SOU EU” (cf. Ex 3,14). Pedro ao ouvir Jesus reage e pede uma confirmação. O pedido de Pedro evidencia o que dissemos acima: ao aproximar-se do Deus que se revela, revela-se também quem é o discípulo em todos os seus aspectos. Pedro introduz seu pedido com a mesma expressão do Satanás no início do evangelho: “Se és…” (cf. Mt 4,3.5). Tanto o tentador como Pedro querem que Jesus prove a sua identidade divina (Filho de Deus, Eu Sou) obedecendo a eles (“Transforma essas pedras… Manda-me ir caminhando sobre as águas“). O pedido de Pedro não significa apenas ter a certeza de que é Jesus, mas a presunção de torna-se divino. Só Deus tem o poder de andar sobre as águas (vencer o mal), salvar o ser humano. Querer caminhar sobre as águas é querer ser igual a Jesus, e, portanto, sendo deus, Pedro não precisa de salvação. Pedro assume o papel dos nossos primeiros pais cedendo à tentação da Serpente: “vós sereis como deuses”. Assim como essa presunção levou Adão e Eva a desobedecerem a Palavra de Deus, esse pedido de Pedro também é uma desobediência à ordem de Jesus que os obrigou entrar na barca. Sair da barca é sinal de autossuficiência, arrogar-se o direito de ser divino.

Mas por que Jesus permite? Não podemos exaurir o mistério da vontade divina, mas pelas consequências podemos reconhecer o famoso pensamento de Santo Afonso Maria de Ligório: “Deus não permitiria o mal se não pudesse tirar desse mal um bem infinitamente maior”. Assim como nossos pais não foram abandonados depois da desobediência, Pedro também não foi rejeitado por Jesus quando começou a afundar. Mas foi-lhe permitido fazer a grande experiência do ser humano que, mesmo tentado a querer ser Deus, reconhece seu pecado e grita: “Senhor, salva-me!” A salvação não é para quem se pensa deus, mas a salvação é para o ser humano que crê em Deus. Reconduzido à barca, sendo levado por Jesus, Pedro deu o grande passo não apenas no conhecimento da pessoa de Jesus, mas de si mesmo. A luta na barca contra os ventos contrários (presunção, falta de fé, arrogância etc.) chega ao seu ponto mais alto, isto é, a vitória de Jesus: “Assim que subiram no barco, o vento se acalmou”, vale salientar que a expressão grega traduzida por “se acalmou” é o “vento cansou” (kopádzo). A oração de Jesus no monte impediu o cansaço dos discípulos na barca, mas foi a fé Nele que os salvou, pois só ele é: “Verdadeiramente, o filho de Deus”.

Fonte: https://www.dehonianosbre.org.br/homilias/xix-domingo-tempo-comum–mt-14-22-33–vem-a-mim-para-descobrires-quem-es-

FESTA DA TRANSFIGURAÇÃO DO SENHOR (Ano A) – P. Lucas, scj

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Caros irmãos, neste domingo, a liturgia nos dá a oportunidade de rezar com a transfiguração do Senhor através do relato conservado no Evangelho de S. Mateus (cf. Mt 17,1-9). Rezemos para que a luz do Senhor se manifeste a nós e nos dê a perseverança na fé.

Lemos na segunda leitura que o conhecimento de nosso Senhor Jesus Cristo a nós transmitido pelos Apóstolos não é fruto de um mito ou fábula, mas porque ele foram viram a sua majestade. Por isso, a Palavra que chegou até nós é como lâmpada que brilha em lugar escuro, até clarear o dia e levantar-se a estrela da manhã em nossos corações” (cf. 2Pd 1,16.19). De fato, o mistério da transfiguração foi, no caminho discipular dos Apóstolos, o momento de luz que o Senhor lhes deu para sustentá-los no momento da provação.

Tal dom é dado também a nós quando o Senhor manifesta a Sua presença e Seu amor misericordioso de modo inequívoco em nossas vidas: esses momentos são luz que brilham em meio às trevas deste mundo dando-nos a capacidade de enxergar o caminho e a certeza de não termos nos enganado. Assim, quando a escuridão se mostra mais densa, a cruz pesa nos ombros e a tentação de desistir parece mais forte, podemos nos voltar para a luz divina que a nós brilhou e, em Sua presença, recobrar as forças necessárias para prosseguir.

Pai, dá-nos o Espírito Santo para que nossa fé seja fortalecida e, assim, estejamos sempre unidos a Teu Filho, Jesus Cristo. Maria, Mãe da Igreja, socorre-nos em nossas dificuldades. S. José, nosso protetor, dá-nos viver na presença de Jesus.

Sub tuum præsidium confugimus.
sancta Dei Genitrix:
nostras deprecationes
ne despicias in necessitatibus:
sed a periculis cunctis libera nos semper,
Virgo gloriosa et benedicta.

Transfiguração do Senhor: Mt 17,1-9 – A luz da cruz rompe a sombra das tendas

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Por Dom André Vital Félix da Silva, SCJ.

Alguns se perguntam se esta festa não é uma duplicata, pois temos uma referência clara da Transfiguração no II Domingo da Quaresma. A essa dúvida, a resposta é negativa, porque no tempo quaresmal não temos uma festa propriamente dita da Transfiguração. De fato, o texto evangélico é proclamado no contexto do caminho quaresmal de purificação e iluminação dos catecúmenos e de toda a comunidade cristã em direção à celebração pascal” (Cristo festa da Igreja, p. 435).  Sem entrarmos nas razões históricas que motivaram essa celebração milenar na Igreja tanto do Oriente quanto do Ocidente, estamos diante de um acontecimento luminoso para a nossa fé eclesial. Como afirmou S. João Paulo II, a transfiguração do Senhor “pode ser tomada como ícone da contemplação cristã. Fixar os olhos no rosto de Cristo, reconhecer o seu mistério no caminho ordinário e doloroso da sua humanidade, até perceber o brilho divino definitivamente manifestado no Ressuscitado glorificado à direita do Pai, é a tarefa de cada discípulo de Cristo; é, por conseguinte, também a nossa tarefa” (Rosarium Virginis Mariae, 9). 

Portanto, a celebração da Festa da Transfiguração do Senhor nos convida à contemplação do mistério da Cruz vitoriosa. Tabor e Calvário são inseparáveis, pois neles se dá uma única revelação: Deus nos fala no seu Filho, e Nele nós falamos com Deus. Ao transfigurar-se diante de três dos seus discípulos: Pedro, Tiago e João, Jesus não institui um pequeno grupo de privilegiados, uma elite iluminada, mas faz deles testemunhas concretas, inconfundíveis, que desempenharão na comunidade primitiva um papel fundamental para o anúncio de que o crucificado não é um derrotado, que a luz do Tabor atingiu o seu brilho mais intenso na cruz do Gólgota.

O episódio da Transfiguração condensa todo o mistério pascal, pois assim como no Antigo Testamento a celebração da Páscoa antecipava o evento do êxodo, isto é, antes mesmo de saírem do Egito já celebravam no rito a libertação, a Transfiguração do Senhor preanunciou o fulgor da sua ressurreição, antes mesmo que isto acontecesse. Por conseguinte, a glória do Tabor não tem sentido se não se sobe o calvário da dor; pois a luz resplandecente do monte da glória provém Daquele que morreu e ressuscitou, e não de quem se refugiou sob a comodidade de uma tenda, cuja sombra impede a penetração da luz. 

A luz do Tabor iluminou o caminho da dor, caso contrário não seria possível enxergá-lo, o que resultaria consequentemente em abandoná-lo. A luz do Tabor iluminou a mente dos discípulos para poderem compreender que a Palavra de Deus não é simplesmente um conjunto de letras gravadas em pedras, mas Palavra viva, pois é uma pessoa e não apenas um livro; é o próprio Filho amado, o Verbo eterno a quem se deve escutar. Se Moisés precisava da tenda da reunião para falar de Deus ao povo e do povo a Deus, agora com a luz do Tabor não há mais necessidade de tendas para ouvir a voz de Deus: é Jesus que, ao armar sua tenda entre nós e em nós, expressou a mais convincente e persuasiva palavra do Pai, isto é, que Ele nos ama de tal modo a ponto de não poupar nem mesmo o Filho a fim de que o mundo tenha vida plena. Moisés e Elias, o testemunho da Lei e dos Profetas, não conversam diretamente com os discípulos, mas com Jesus. Isto significa que é Jesus o autêntico intérprete das Escrituras, pois é Nele que elas se cumprem. Os três discípulos são as testemunhas do Novo Testamento que atestam a realização das promessas antigas, ou seja, que o próprio Deus iria falar diretamente com o seu povo, e não haveria mais necessidade de intermediários.  

A experiência do Tabor é intraduzível, por isso, mais do que explicações do episódio, os evangelistas tentaram ajudar a Igreja a contemplar o mistério do Filho amado de Deus na sua totalidade, sem isolar os momentos de glória dos momentos de dor. Não há um Cristo glorioso que não seja o crucificado, nem há um crucificado que esteja privado de glória. Se atualmente há tanto resistência em contemplar o crucificado, inclusive nas nossas igrejas, certamente isso é fruto de uma visão esquizofrênica do Mistério. Contemplar o Cristo do Tabor exige escutar o que Ele diz: “Quem quiser me seguir, renuncie a si mesmo tome a sua cruz e me siga”. Portanto, é incoerente anunciar o Transfigurado do Tabor se não somos capazes de seguir o Traspassado do Calvário. Trocar a cruz pelas tendas é traí-lo, é abandonar o seu caminho, é certamente maravilhar-se com o fulgor do seu rosto resplandecente, mas é ironicamente tapar os ouvidos à sua palavra que nos convida a descer do monte para continuar o caminho. Só a luz da cruz pode vencer as sombras das tendas.

Fonte: https://www.dehonianosbre.org.br/homilias/transfiguracao-do-senhor–mt-17-1-9–a-luz-da-cruz-rompe-a-sombra-das-tendas