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DÉCIMO SÉTIMO DOMINGO DO TEMPO COMUM – Ano A (P. Lucas, scj)

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Caros irmãos, a liturgia deste décimo sétimo domingo do Tempo Comum (ano A) nos conduz às parábolas do tesouro escondido, da pérola preciosa e da rede lançada ao mar (cf. Mt 13,44-52). Que o Senhor Espírito Santo nos dê olhos para encontrar o tesouro que vale mais do que tudo.

Concentremo-nos nas duas primeiras parábolas de hoje. Elas comparam o Reino dos Céus a um tesouro ou uma pérola de tão grande valor que, uma vez encontrado, assume o primeiro lugar no coração de quem o encontrou. De fato, quem encontra o tesouro que é o amor de Deus troca tudo por Ele: “vosso amor vale mais do que a vida”, canta o salmista (Sl 62 [63],4). Mas por que, apesar de sermos muitos, não parece que Jesus seja o centro da nossa sociedade? Ou, pessoalmente, por que nos é tão difícil abrir mão das migalhas deste mundo para estar com Cristo?

Pode ser falta ou o encontro ou a memória. Lembremo-nos, mais uma vez, que “ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo” [1]. Encontrar o Senhor Jesus Cristo é fundamental para que tenhamos uma fé viva e nosso cristianismo não seja apenas uma questão de costumes. E, uma vez encontrando-o, precisamos aprender a tê-lo presente no nosso cotidiano. Ou seja, precisamos frequentemente fazer memória, recordarmo-nos, de que Ele existe, está próximo, amando-nos com toda a potência do Seu Coração: precisamos viver de fé.

E, enfim, para cultivarmos esta memória, devemos meditar sobre o Amor com o qual somos amados. Neste sentido, não existe nada tão sublime como o Senhor crucificado. De fato, Jesus não nos pede nada que não tenha feito por nós: Ele deixou os céus por nós e esvaziando-se, entregou-se, derramando até a última gota do Seu preciosíssimo sangue por nós. Daí a necessidade extrema de nos aproximarmos com frequência da Reconciliação e da Eucaristia. Que a bem-aventurada e sempre virgem Maria, Mãe da Igreja, e S. José, seu castíssimo esposo, intercedam por nós hoje e sempre.

 

Sub tuum præsidium confugimus.
sancta Dei Genitrix:
nostras deprecationes
ne despicias in necessitatibus:
sed a periculis cunctis libera nos semper,
Virgo gloriosa et benedicta.

 

[1] Bento XVI, Deus caritas est, 1.

XVII Domingo Tempo Comum: Mt 13,44-52 – A alegria do Reino: encontrar, procurar, separar

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Por Dom André Vital Félix da Silva, SCJ.

As três parábolas contadas por Jesus no evangelho deste Domingo coroam o seu ensinamento sobre o Reino dos Céus. Mateus nos leva a refletir sobre três passos fundamentais na experiência de toda pessoa humana que busca a alegria plena, isto é, o maravilhar-se diante do dom, o desinstalar-se para ir à procura, e a sabedoria do discernimento que faz crescer o dom recebido e os bens adquiridos.

Na primeira parábola, o Reino dos Céus é comparado a um tesouro escondido descoberto por um homem. Encontrando o inesperado, esconde-o, e cheio de alegria, é capaz de refazer toda a sua perspectiva de vida, até então ancorada e garantida pelo que possuía, a ponto de vender tudo a fim de adquirir aquele terreno. Certamente, o homem é um camponês que trabalha numa terra que não é sua, e tudo o que possui depende desse seu trabalho. Chama atenção o fato de que mesmo tendo encontrado um tesouro, o Jesuscamponês não o leva consigo, pois esta não seria a forma honesta e legal de possuí-lo, resultaria para ele num furto, pois da terra lhe era permitido apenas tirar o seu ganha pão como fruto do seu trabalho. Porém, ele ali encontra um tesouro, e, portanto, numa certa lógica, é dele, mas ele tem consciência de que o tesouro pertence à terra e não ao seu trabalho. Destarte, a terra e tudo o que nela se encontra são do seu proprietário.

Há, portanto, apenas uma saída: comprar a propriedade para dela e de tudo o que a ela pertence ser o legítimo dono. Conclusão, a primeira atitude para empreender o caminho rumo à felicidade verdadeira é maravilhar-se com o tesouro que nos é dado encontrar, acolhê-lo sem roubá-lo, isto é, reconhecendo e respeitando os meios para dele usufruir e conquistar.

Toda pessoa humana inicia a sua vida encontrando gratuitamente tesouros: sua família, seus pais, enfim, sua própria vida. Ninguém de nós comprou nada disso, nem mesmo buscou. No entanto, tudo nos foi dado como dom. E o grande desafio é reconhecê-lo e, ao mesmo tempo, valorizá-lo. Feliz é quem não rejeita os dons recebidos no início da existência, mas os acolhe, e se for necessário, reconcilia-se com eles para poder colher muitos frutos no decorrer da sua existência.

A segunda parábola: o comprador de pérolas preciosas nos faz refletir sobre uma outra atitude fundamental na experiência humana que é destinada à plenitude: o permanente estado de busca. Se na parábola do camponês a característica marcante era o maravilhar-se diante de um achado que talvez nem fosse objeto de buscas e procuras conscientes, agora a atitude do protagonista da parábola é mais direcionada. Ele está procurando pérolas preciosas; ele sabe o que procura, e é capaz de discernir o que tem valor apreciável daquilo que não vale a pena investir. Não se surpreende com o que encontra, pois está buscando justamente aquilo. Mas sabe fazer a escolha certa.

Se para o camponês o fato surpreendente foi encontrar um tesouro escondido, para o comprador, a busca por pérolas preciosas já fazia parte da sua lida cotidiana, uma vez que sem a alegria da certeza de encontrá-las, a disposição suficiente para procurar não o convenceria na sua tentativa.

O grande desafio para a busca permanente do ser humano é ter a clareza para onde o caminho optado está conduzindo. O comprador buscava pérolas preciosas, isto é, não estava atrás de algo que não conhecia ou que não existia, mesmo admitindo não ser tão simples e fácil encontrar pérolas que fossem, de fato, preciosas, finas ou mesmo boas.

As duas parábolas são coroadas com a da rede de pesca para ressaltar que tanto os dons recebidos (tesouro escondido) como os bens adquiridos (pérolas preciosas) precisam ser considerados numa perspectiva da construção do Reino dos Céus que, por sua vez, exige discernimento, escolhas, opções decididas. Tal discernimento não significa apenas capacidade seletiva que, por sua vez, pode resultar em exclusão injusta, mas implica coragem para abrir mão e lançar fora o que não presta, tudo aquilo que contradiz a opção fundamental pelo Reino. Os evangelhos quando narram o chamado dos primeiros discípulos sintetizam essa decisão afirmando: “E deixando tudo O seguiram” (Lc 5,11).

Nunca se falou tanto em discernimento, inclusive vocacional, do que em nossa época. Mas quantas pessoas jazem nas suas eternas indecisões, incapazes de fazer opções duradouras, firmes e corajosas, pois estão imersas no terreno movediço da ausência, da falta, e não no terreno consistente da opção livre, consciente e responsável. Os pescadores da parábola têm uma árdua missão: separar o que presta do que não presta. Parece algo tão objetivo: peixe bom e peixe ruim. No entanto, exige-se critério e sabedoria para realizar a tal separação.

Não estamos diante de atitudes arbitrárias cujo discernimento se apoia no subjetivismo emocional, mas na capacidade amadurecida de quem optou pela verdade do Reino e não pelas comodidades do politicamente correto, pois tem convicção de que tudo na vida tem suas consequências. Quem não se presta a um discernimento contínuo e permanente para recolher o bom e deitar fora o ruim de si mesmo, das circunstâncias e dos relacionamentos não presta para o trabalho da implantação do Reino.

 

NOSSA IRMÃ, A MORTE CORPORAL (IV: mais frutos) – P. Lucas, scj

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Caros irmãos, nossa jornada de reflexão sobre a morte vai chegando ao fim e, neste último texto, proponho que nos debrucemos sobre outros frutos – além daqueles do texto passado – que provêm dessa reflexão sobre a nossa vida que a consideração sobre a morte corporal nos dá oportunidade de fazer. São eles: a perseverança, a fortaleza e a vigilância.

Tendo diante dos olhos a finalidade última das nossas vidas, encontramos não só o critério de nossas escolhas, mas também um auxílio importante para superar crises, em particular as vocacionais, matrimoniais ou não. Porque ninguém veio a este mundo de férias. Mais: para encontrar a satisfação de amar terá de suportar a dor de fazê-lo, ou seja, é preciso pagar o preço. Dessa forma, precisamos encarar a ilusão do paraíso terrestre, da felicidade perfeita neste mundo. Trata-se de uma tentação que vai além do âmbito político, toca nossa vida mais íntima: desejos e medos, angústias e satisfações. É Juízomuito comum pensar: “tenho problemas, logo, errei minha escolha vocacional, a escolha do meu cônjuge”, etc. Mas isso não é verdade. A cruz faz parte da vida de quem ama. Ou, mais profundamente: “A cruz é o selo que Deus coloca nas obras que lhe pertencem” (P. Dehon). E a felicidade perfeita existe, de fato, mas é transcendente e se realiza na comunhão perfeita com Aquele que primeiro nos amou: começa já neste mundo, porém, aguarda a consumação definitiva na eternidade.

Consequentemente, a meditação sobre nossa morte nos ajuda a perseverar, a enfrentar as dificuldades sem desanimar. De modo particular, tal consciência nos ajuda a vencer a acídia, que é aquela tentação de não enfrentar as dificuldades típicas da nossa vocação, do nosso ser cristão. Ela se caracteriza pela aversão a tudo o que se tem e pela atração por tudo que não se tem. Os antigos monges cristãos a comparavam àquele desânimo físico que temos de enfrentar todos os dias para recomeçar nossas atividades depois do almoço – por isso, a chamavam de o “demônio do meio-dia”. Ter, então, consciência da finitude e da brevidade da vida nos ajuda a nos mantermos na realidade, naquilo que, de fato, é e a vencermos as ilusões das tentações.

Creio, ainda, que a meditação sobre a morte nos dá a coragem necessária para enfrentar os riscos de viver. Sim, porque não existe um modo pelo qual possamos viver absolutamente seguros. Assim, chegamos ao ponto da meditação sobre a morte que nos ajuda a viver bem a virtude da fortaleza. Porque, no fim, o que precisamos descobrir é qual o motivo para nos arriscarmos, para não nos escondermos – para lutarmos. Se preferir, precisamos descobrir algo que vale mais do que esta vida. Assim, as palavras de Jesus adquirem nova força: “o que quiser salvar a sua vida, irá perdê-la; mas o que perder a sua vida por amor de mim e do Evangelho, irá salvá-la” (Mt 8,35). É o amor de Deus que nos impulsiona e que vale mais que tudo, inclusive a vida (cf. 2Cor 15,14; Sl 62[63],4): por Ele, assumimos os riscos do cotidiano. Dessa forma, percebemos que a fé cristã não nos afasta da construção da cidade terrena, mas, pelo contrário, ela nos dá a chance de conhecer o porquê último que integra os pequenos porquês do dia a dia. Em Jesus Cristo, podemos nos empenhar por tarefas que demandam muito mais tempo que o arco de nossa breve vida. Nele, temos um motivo para nos gastar numa construção que não veremos totalmente acabada.

Enfim, enquanto as outras virtudes que abordamos decorrem do fim e da finalidade de nossas vidas, a vigilância, por sua vez, deriva da incerteza sobre o momento da nossa morte. Lembremo-nos: ela é certa e incerta. E quando ela chegar, seremos o que somos chamados a ser? “Vigiai! Sede firmes na fé! Sede homens! Sede fortes! Tudo o que fazeis, fazei-o na caridade” (1Cor 16,13-14).

Que a bem-aventurada Virgem Maria e S. José intercedam por nós “agora e na hora de nossa morte”.

Sub tuum præsidium confugimus,
sancta Dei Genitrix:
nostras deprecationes
ne despicias in necessitatibus:
sed a periculis cunctis libera nos semper,
Virgo gloriosa et benedicta.

SENTIA O ARDENTE DESEJO DE ENCONTRAR A CRISTO, QUE JULGAVA TER SIDO ROUBADO

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Das Homilias sobre os evangelhos, de São Gregório Magno, papa.

Maria Madalena, tendo ido ao sepulcro, não encontrou o corpo do Senhor. Julgando que fora roubado, foi avisar aos discípulos. Estes vieram também ao sepulcro, viram e acreditaram no que a mulher lhes dissera. Sobre eles está escrito logo em seguida: Os discípulos voltaram então para casa (Jo 20,10). E depois acrescenta-se: Entretanto, Maria estava do lado de fora do túmulo, chorando (Jo 20,11).

Este fato leva-nos a considerar quão forte era o amor que inflamava o espírito dessa mulher, que não se afastava do túmulo do Senhor, mesmo depois de os discípulos terem ido embora. Procurava a quem não encontrara, chorava enquanto buscava e, abrasada no fogo do seu amor, sentia a ardente saudade daquele que julgava ter sido roubado. Por iso, só ela o viu então, porque só ela o ficou procurando. Na verdade, a eficácia das boas obras está na perseverança, como afirma também a voz da Verdade: Quem perseverar até o fim, esse será salvo (Mt 10,22).

Ela começou a procurar e não encontrou nada; continuou a procurar, e conseguiu encontrar. Os desejos foram aumentando com a espera, e fizeram com que chegasse a encontrar. Pois os desejos santos crescem com a demora; mas se diminuem com o adiamento, não são desejos autênticos. Quem experimentou este amor ardente, pôde alcançar a verdade. Por isso afirmou Davi: Minha alma tem sede de Deus, e deseja o Deus vivo. Quando terei a alegria de ver a face de Deus? (Sl 41,3). Também a Igreja diz no Cântico dos Cânticos: Estou ferida de amor (Ct 5,8). E ainda: Minha alma desfalece(cf.Ct 5,6).

Mulher, por que choras? A quem procuras? (Jo 20,15). É interrogada sobre o motivo de sua dor, para que aumente o seu desejo e, mencionando o nome de quem procurava, se inflame ainda mais o seu amor por ele.

Então Jesus disse: Maria (Jo 20,16). Depois de tê-la tratado pelo nome comum de mulher sem que ela o tenha reconhecido, chama-a pelo próprio nome. Foi como se lhe dissesse abertamente: Reconhece aquele por quem és reconhecida. Não é entre outros, de maneira geral, que te conheço, mas especialmente a ti. Maria, chamada pelo próprio nome, reconhece quem lhe falou; e imediatamente exclama: Rabuni, que quer dizer Mestre (Jo 20,16). Era ele a quem Maria Madalena procurava exteriormente; entretanto, era ele que a impelia interiormente a procurá-lo.

NOSSA IRMÃ, A MORTE CORPORAL (III: primeiros frutos) – P. Lucas, scj

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Caros irmãos, nossa decisão de não fecharmos os olhos para a realidade e a presença da morte corporal, nossa irmã, está nos conduzindo numa reflexão sobre a vida. Como conclusão, daremos atenção aos aspectos da nossa vida que a meditação sobre a morte pode iluminar, ou seja, algumas virtudes que podemos cultivar a partir desta reflexão. Neste terceiro texto, abordaremos a humildade e a prudência.

Já que a meditação sobre a morte nos faz mais conscientes da nossa finitude e da nossa fragilidade, ela nos ajuda a crescermos na humildade. Pois esta, já nos ensinava Santa Teresa de Jesus [1], nada mais é que a verdade. E a verdade que surge da contemplação dos mistérios últimos de nossa vida é que somos servos, não senhores. Ou seja, quando Madonna dell'umiltàcolocamos no horizonte da nossa consciência o encontro definitivo com Deus e Seu juízo, da qual ninguém se pode subtrair, e a possibilidade real da segunda morte, fica claro que não somos absolutamente autônomos, não dispomos simplesmente da nossa vida, mas temos que prestar contas a um Outro – Ele, sim, dispõe da vida e da morte.

Aí percebemos a grande necessidade que temos do temor de Deus, dom do Espírito Santo, tão importante quanto fora de moda, pois ele nos dá a real dimensão do nosso ser, de quanto somos limitados e precisamos uns dos outros e todos, do Senhor da Vida. Encarar tal verdade também reforça em nós a consciência de que não nos bastamos e precisamos de um salvador. Ora, Ele existe e está no meio de nós! É nosso Senhor Jesus Cristo: nele podemos esperar. É a esperança na Misericórdia do Coração do Senhor que, como um contrapeso ao temor de Deus, não nos deixa cair no desespero, mas nos abre para a confiança que sustenta nosso caminho de conversão.

Sucessivamente, a partir das reflexões que estamos fazendo, fica claro não só que a nossa vida tem um fim, mas também que tem uma finalidade. Tal finalidade é, naturalmente, transcendente e vai muito além do acaso e do fatalismo: na verdade, coincide com a nossa origem. Ou seja, não só fomos criados por Deus, mas também fomos criados para Deus. Isso foi expresso de modo esplendoroso por Santo Agostinho quando, no início das Confissões, reza a Deus dizendo: “nos fizeste para ti, e nosso coração está inquieto enquanto não encontrar em ti descanso” [2]. Nosso fim último é o Senhor, nosso Deus. Saber disso, nos ajuda a ordenar, a organizar a nossa vida; a tomar decisões acertadas – sejam elas pequenas ou grandes. Em outras palavras, meditar sobre o fim de nossas vidas nos ajuda a ser mais prudentes.

De fato, a prudência é a virtude que nos ajuda a enxergar o bem ao qual tendemos e precisamos escolher enquanto nos permite, ao mesmo tempo, dispor dos meios necessários para chegar ao fim desejado e escolhido. Ora, uma vez tendo encontrado o objetivo último de nossas vidas no amor de nosso Senhor Jesus Cristo, devemos conscientemente fazer escolhas que nos aproximem deste fim. É aí que entra a prudência: esta virtude toca desde as grandes decisões, como, por exemplo, descobrir qual estado de vida abraçar ou com quem se casar, até as pequenas e mais cotidianas, como a organização do nosso tempo. Cada pequena causa pode e deve ser integrada na causa última e final: amar a Deus sobre todas as coisas.

Peçamos à bem-aventurada e sempre Virgem Maria e seu esposo S. José que intercedam por nós a fim de que possamos corresponder plenamente ao amor de nosso Deus, manifestado perfeitamente em nosso Senhor Jesus Cristo.

Sub tuum præsidium confugimus,
sancta Dei Genitrix:
nostras deprecationes
ne despicias in necessitatibus:
sed a periculis cunctis libera nos semper,
Virgo gloriosa et benedicta.

 

[1] Santa Teresa de Jesus, Moradas, VI, 10, 6.

[2] Agostinho, Confissões, I, 1, 1.

COMO UMA SÓ ALMA EM DOIS CORPOS

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Dos Sermões de São Gregório de Nazianzo, bispo.

Encontramo-nos em Atenas. Como o curso de um rio, que partindo da única fonte se divide em muitos braços, Basílio e eu nos tínhamos separado para buscar a sabedoria em diferentes regiões. Mas voltamos a nos reunir como se nos tivéssemos posto de acordo, sem dúvida porque Deus assim quis.

Nesta ocasião, eu não apenas admirava meu grande amigo Basílio vendo-lhe a seriedade de costumes e a maturidade e prudência de suas palavras, mas ainda tratava de Basilio e Gregoriopersuadir a outros que não o conheciam tão bem a fazerem o mesmo. Logo começou a ser considerado por muitos que já conheciam sua reputação.

Que acontece então? Ele foi quase o único entre todos os que iam estudar em Atenas a ser dispensado da lei comum; e parecia ter alcançado maior estima do que comportava sua condição de novato. Este foi o prelúdio de nossa amizade, a centelha que fez surgir nossa intimidade; assim fomos tocados pelo amor mútuo.

Com o passar do tempo, confessamos um ao outro nosso desejo: a filosofia era o que almejávamos. Desde então éramos tudo um para o outro; morávamos juntos, fazíamos as refeições à mesma mesa, estávamos sempre de acordo aspirando aos mesmos ideais e cultivando cada dia mais estreita e firmemente nossa amizade.

Movia-nos igual desejo de obter o que há de mais invejável: A ciência; no entanto, não tínhamos inveja, mas valorizávamos a emulação. Ambos lutávamos, não para ver quem tirava o primeiro lugar, mas para cedê-lo ao outro. Cada um considerava como própria a glória do outro.

Parecia que tínhamos uma só alma em dois corpos. E embora não se deva dar crédito àqueles que dizem que tudo se encontra em todas as coisas, ao nosso caso podia se afirmar que de fato cada um se encontrava no outro e com o outro.

A única tarefa e objetivo de ambos era alcançar a virtude e viver para as esperanças futuras, de tal forma que, mesmo antes de partirmos desta vida, tivéssemos emigrado dela. Nesta perspectiva, organizamos toda a nossa vida e maneira de agir. Deixamo-nos conduzir pelos mandamentos divinos estimulando-nos mutuamente à prática da virtude. E, se não parecer presunção minha dizê-lo, éramos um para o outro regra e o modelo para discernir o certo e o errado.

Assim como cada pessoa tem um sobrenome recebido de seus pais ou adquirido de si próprio, isto é, por causa da atividade ou orientação de sua vida, para nós a maior atividade e o maior nome era sermos realmente cristãos e como tal reconhecidos.

DÉCIMO SEXTO DOMINGO DO TEMPO COMUM – Ano A (P. Lucas, scj)

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Caros irmãos, neste décimo sexto domingo do Tempo Comum, a liturgia do ano A continua a nos apresentar o discurso de Jesus com as parábolas do Reino (cf. Mt 13,24-43). Desta vez, temos as parábolas do joio e do trigo, da semente de mostarda e do fermento na massa. Peçamos ao Senhor Espírito Santo que toque nosso coração, fazendo-nos crer e esperar em Deus, nosso Pai.

Comecemos pela parábola do joio e do trigo (cf. Mt 13,24-30). Nela, segundo a explicação que vem no final deste evangelho (cf. Mt 13,37-43), a semente não é mais a Palavra, mas pessoas. Aquela que o Filho do Homem semeia no mundo, são as pessoas que pertencem 560-icona-del-seme-e-del-granello-di-senape-abbazia-di-s-maria-di-pulsano
ao Reino. Mas o inimigo também semeia… A separação só será feita na colheita, ou seja, no fim dos tempos. É importante que nos lembremos sempre disto: conviveremos sempre com o mal, pois esta vida é provisória. Não nos cabe julgar ou separar o joio do trigo; também não devemos esperar por um paraíso terrestre: não vivemos de utopias.

O que, então, devemos esperar? Devemos, de coração contrito, esperar que o Senhor, nosso Deus justo e misericordioso, venha nos julgar – e julgar o mundo inteiro – na esperança de receber o seu perdão, como nos diz a primeira leitura (cf. Sb 12,13.16-19). Mas não esperamos de braços cruzados: devemos continuar espalhando a semente de mostarda (cf. Mt 13,31-32), pois ainda que não pareça ser suficientemente grande, ela é capaz de nos dar abrigo nas dificuldades pelas quais passaremos neste mundo. E, enfim, devemos ainda continuar misturando o fermento na massa (cf. Mt 13,33): ainda que pareça insignificante, o Evangelho anunciado e testemunhado produz, por si mesmo, um efeito decisivo que está além das possibilidades daquele que o espalha.

Que a bem-aventurada e sempre virgem Maria, nossa mãe, e S. José, nosso protetor, com sua intercessão, nos ajudem a integrar nossas esperanças cotidianas na grande esperança do Reino de Deus.

 

Sub tuum præsidium confugimus.
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XVI Domingo Tempo Comum: Mt 13,24-43 – A paciência destrói a aparência

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Por Dom André Vital Félix da Silva, SCJ.

No centro do anúncio de Jesus se encontra a sua paixão pelo Reino do seu Pai. Toda a sua vida, os seus ensinamentos, as suas atitudes tornavam visível esse reinado de Deus como um projeto de vida para as pessoas que, por sua vez, eram convidadas a acolhê-lo e tornarem-se também elas seus arautos e instrumentos a fim de que se expandisse por toda a terra a justiça, a fraternidade e a paz; são estas as colunas de sustentação do Reino. As parábolas deste Domingo nos apresentam as características fundamentais do Reino dos Céus, sublinhando a sua radical vitalidade, a sua força propulsora e o seu dinamismo de expansão.

O que Jesus diz sobre o Reino não se limita a conceitos teóricos para levantar hipóteses de organizações utópicas da sociedade, nem muito menos uma descrição bucólica daquilo que não se pode conhecer de modo objetivo e direto. O Reino dos Céus, por certo, transcende a nossa esfera circunstancial, mas tem suas raízes no nosso chão, no nosso horizonte histórico, onde Deus se fez carne, assumindo o que somos.

A parábola do trigo e do joio evidencia a necessidade de discernimento na implantação do Reino. A imagem utilizada por Jesus é muito eloquente: o joio é uma erva daninha, porém, tem aspectos semelhantes ao trigo, podendo o seu talo ser facilmente confundido com a espiga de trigo. Porém, seus efeitos são narcóticos (botânica: lolium temulentum), provocam adormecimento, por conseguinte, acomodação, passividade; se ingerido, mesmo em pouca quantidade, provoca náuseas e enjoos. Por outro lado, o trigo que representa o Reino é semente que se transforma em alimento para dar força e vitalidade Jesus Mestreao ser humano, e por isso produz alegria para quem dele se nutre. Se o joio produz estagnação, alienação, indiferença, o trigo produz energia, vigor, disposição para trabalhar.

Portanto, Jesus adverte os seus discípulos a estarem atentos para não confundirem as diversas expressões do Reino apegando-se apenas a aparências, é preciso aguardar os frutos. Ele mesmo ensinou que a árvore se conhece pelos seus frutos, pois nem tudo aquilo que se mostra pertencente ao Reino, de fato, contribui com o Reino. Quando o joio cresce junto ao trigo ambos são bem semelhantes, contudo, quando produzem os grãos é possível distingui-los. Fazer a separação enquanto crescem é muito arriscado. Por isso, o dono do roçado não permite aos seus empregados a separação antes dos frutos. Apesar de o joio e o trigo estarem tão próximos e até mesmo entrelaçados em suas raízes, o joio não é capaz de destruir o trigo; no momento adequado ele será apartado. A paciência no julgar lança as bases da verdadeira justiça.

A parábola do grão de mostarda aponta para a pequenez do Reino, mas ao mesmo tempo para a sua capacidade de crescimento. Reproduz de maneira plástica a própria biografia humana, isto é, ninguém nasce grande, mas pode tornar-se. Cada cristão é depositário desta pequena semente da fé, mas que se acolhida, pode se manifestar como grande força de transformação do mundo e da sociedade. O evangelho, apesar de ser um anúncio revestido de humildade e simplicidade, possui uma força de expansão que testemunha a sua grandeza pois é proclamação de salvação universal, e isto diz respeito a toda pessoa humana.

Por fim, Jesus ilustra seu ensinamento com a parábola do fermento para ressaltar a eficácia do anúncio do evangelho para a implantação do Reino dos Céus. A imagem do fermento na massa reitera a convicção de que a força de transformação do evangelho não se manifesta de modo ostensivo, através de ações religiosas de vitrine, mas atua de modo profundo; a sua eficácia depende da sua força de penetração, e não tanto de uma garantia de visibilidade. Quando o evangelho se reduz a tema de espetáculos, perde a sua força de transformação no horizonte da vida; deixa de ser impulso para ação e fica apenas como garantia de emoção.

À medida em que o fermento vai se misturando com a massa, a ponto de não ser mais visto, é que estará garantido o crescimento do pão; a transformação não acontece na superficialidade, mas quando atinge a dimensão mais profunda da realidade, pois fermento não é cosmético para mudar aparências, mas instrumento para transformar existências.

O Reino dos Céus é a paixão de Jesus, por isso Ele não teve medo de dar a vida para fazê-lo acontecer entre nós. Comprometer-se com a sua implantação exige de nós sair da multidão curiosa, sem rosto e sem convicção, para assumir o discipulado, o seguimento daquele que espalha a semente incansavelmente, mesmo sabendo que há inimigos lançando joio, é crer na pequenez de uma semente que traz em si uma força grandiosa de transformação, é não ter medo de se misturar a ponto de perder a própria visibilidade para que os outros cresçam e se tornem alimento saudável para a vida do mundo.

 

NOSSA IRMÃ, A MORTE CORPORAL (II: questões sobre a vida) – P. Lucas, scj

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Caros irmãos, no primeiro texto, vimos que a morte corporal é um fato e simplesmente não podemos ignorá-lo. Como ouvi há algum tempo de alguém muito mais sábio do que eu, a morte é a coisa mais certa e incerta desta nossa vida: certa porque sabemos que morreremos; incerta porque ignoramos como e quando isso vai acontecer. E concluímos aquela primeira reflexão com a verdadeira questão, ou seja, como estaremos quando seremos encontrados pela morte? É sobre isso que podemos nos debruçar agora.

De quanto foi dito, compreendemos que a reflexão sobre a morte, na verdade, é um chamado a refletir sobre vida: seu sentido ou finalidade última e, como estamos Croceorientando para este fim os nossos atos. E talvez por isso seja tão difícil hoje permitir-nos pensar na morte – na verdade, queremos só não pensar no modo em que estamos vivendo. Porém, se não sabemos onde queremos chegar, como poderemos saber se nosso caminho é adequado? Coloquemo-nos, então, de verdade, essas questões: qual é o objetivo final da minha vida? Como as minhas inúmeras decisões me orientam para lá? Em outras palavras: por que e para que fazemos o que fazemos (e deixamos de fazer o que deixamos de fazer)? Pensemos seriamente e não nos furtemos a examinar a nossa consciência e dar as respostas verdadeiras a essas questões.

Pois, quando nos propomos a pensar seriamente sobre tais questões, é que nos damos conta de como estamos imersos numa espécie de materialismo. Trata-se de uma realidade difusa. Quase como o ar que a gente respira. Podemos percebê-la a partir de nossas intenções, do espírito que nos move: pode ser que na maior parte do tempo estamos nos pensando e projetando-nos sempre dentro dos limites de tempo e espaço deste mundo. Permita-me apenas um exemplo. Por que trabalhamos? Para ter dinheiro, é claro. Mas, para quê? Para sustentar nossa família; para que nossos filhos tenham uma boa escola; para que eles tenham um bom emprego… E assim sucessivamente. Não que isso seja simplesmente ruim – de fato são coisas boas. Mas… é tudo? É o principal? Não existe nada além? Esta é realmente a finalidade da nossa vida?

Mas… E se nós morrermos hoje? “Deus, porém, lhe disse: Insensato! Nesta noite ainda exigirão de ti a tua alma. E as coisas que ajuntaste de quem serão?” (Lc 12,20).

Mais uma vez: pensar sobre a morte é pensar sobre a vida – seu sentido e o que estamos fazendo com o tempo que nos é dado viver. Parece-me, então, que, se formos sinceros, encontraremos uma boa conselheira nesta irmã tantas vezes ignorada, a morte, porque ela nos faz ver melhor a vida na sua realidade. Sobre os frutos deste olhar, voltaremos no próximo texto. Que a bem-aventurada Virgem Maria, nossa Mãe, e S. José, nosso protetor, nos ajudem a não fugir da verdade.

 

Sub tuum præsidium confugimus,
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Maria concebeu primeiro em seu espírito, e depois em seu corpo

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Dos Sermões, de São Leão Magno, papa.

Uma virgem da descendência real de Davi foi escolhida para a sagrada maternidade; iria conceber um filho, Deus e homem, primeiro em seu espírito, e depois em seu corpo. E para evitar que, desconhecendo o desígnio de Deus, ela se perturbasse perante efeitos tão inesperados, ficou sabendo, no colóquio com o anjo, que era obra do Espírito Santo o que nela se realizaria. Maria, pois, acreditou que, estando para ser em breve Mãe de Deus, sua pureza não sofreria dano algum. Como duvidaria desta concepção tão original, aquela a quem é prometida a eficácia do poder do Altíssimo? A sua fé e confiança são Carmoainda confirmadas pelo testemunho de um milagre anterior: a inesperada fecundidade de Isabel. De fato, quem tornou uma estéril capaz de conceber, pode também fazer com que uma virgem conceba.

Portanto, a Palavra de Deus, que é Deus, o Filho de Deus, que no princípio estava com Deus, por quem tudo foi feito e sem ela nada se fez (cf. Jo 1,2-3), a fim de libertar o homem da morte eterna, se fez homem. Desceu para assumir a nossa humildade, sem diminuir a sua majestade. Permanecendo o que era e assumindo o que não era, uniu a verdadeira condição de escravo à condição segundo a qual ele é igual a Deus; realizou assim entre as duas naturezas uma aliança tão admirável que, nem a inferior foi absorvida por esta glorificação, nem a superior foi diminuída por esta elevação.

Desta forma, conservando-se a perfeita propriedade das duas naturezas que subsistem em uma só pessoa, a humildade é assumida pela majestade, a fraqueza pela força, a mortalidade pela eternidade. Para pagar a dívida contraída pela nossa condição pecadora, a natureza invulnerável uniu-se à natureza passível; e a realidade de verdadeiro Deus e verdadeiro homem associa-se na única pessoa do Senhor. Por conseguinte, aquele que é um só mediador entre Deus e os homens (1Tm 2,5), como exigia a nossa salvação, morreu segundo a natureza humana e ressuscitou segundo a natureza divina. Com razão, pois, o nascimento do Salvador conservou intacta a integridade virginal de sua mãe; ela salvaguardou a pureza, dando à luz a Verdade.

Tal era, caríssimos filhos, o nascimento que convinha a Cristo, poder e sabedoria de Deus. Por este nascimento, ele é semelhante a nós pela sua humanidade, e superior a nós pela sua divindade. De fato, se não fosse verdadeiro Deus, não nos traria o remédio; se não fosse verdadeiro homem, não nos serviria de exemplo.

Por isso, quando o Senhor nasceu, os anjos cantaram cheios de alegria: Glória a Deus no mais alto dos céus, e anunciaram paz na terra aos homens por ele amados (Lc 2,14). Eles veem, efetivamente, a Jerusalém celeste ser construída pelos povos do mundo inteiro. Por tão inefável prodígio da bondade divina, qual não deve ser a alegria da nossa humilde condição humana, se até os sublimes coros dos anjos se rejubilam?

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