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NÃO SEJAS COMO QUEM DIZ UMA COISA E FAZ OUTRA

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Do Sermão proferido no último sínodo por São Carlos, bispo

Somos todos fracos, confesso, mas o Senhor Deus nos entregou meios com que, se quisermos, poderemos ser fortalecidos com facilidade. Tal sacerdote desejaria possuir uma vida íntegra, que dele é exigida, ser continente e ter um comportamento angélico, como convém, mas não se resolve a empregar estes meios: jejuar, orar, fugir das más conversas e de nocivas e perigosas familiaridades. 

Queixa-se de que, ao entrar no coro para a salmodia, ao dirigir-se para celebrar a missa, logo mil pensamentos lhe assaltam a mente e o distraem de Deus. Mas, antes de ir ao coro ou à missa, que fez na sacristia, como se preparou, que meios escolheu e empregou para fixar a atenção?  

Queres que te ensine a caminhar de virtude em virtude e como seres mais atento ao ofício, ficando assim teu louvor mais aceito de Deus? Escuta o que digo. Se ao menos uma fagulha do amor divino já se acendeu em ti, não a mostres logo, não a exponhas ao vento! Mantém encoberta a lâmpada, para não se esfriar e perder o calor; isto é, foge, tanto quanto possível, das distrações; fica recolhido junto de Deus, evita as conversas vãs.  

Tua missão é pregar e ensinar? Estuda e entrega-te ao necessário para bem exerceres este encargo. Faze, primeiro, por pregar com a vida e o comportamento. Não aconteça que, vendo-te dizer uma coisa e fazer outra, zombem de tuas palavras, abanando a cabeça. 

Exerces cura de almas? Não negligencies por isso o cuidado de ti mesmo, nem dês com tanta liberalidade aos outros que nada sobre para ti. Com efeito, é preciso te lembrares das almas que diriges, sem que isto te faça esquecer da tua.  

Entendei, irmãos, nada mais necessário aos eclesiásticos do que a oração mental que precede, acompanha e segue todos os nossos atos: Salmodiarei, diz o Profeta, e entenderei (cf. Sl 100,1 Vulg.). Se administras os sacramentos, ó irmão, medita no que fazes; se celebras a missa, medita no que ofereces; se salmodias no coro, medita a quem e no que falas; se diriges as almas, medita no sangue que as lavou e, assim, tudo o que é vosso se faça na caridade (1Cor 16,14). Deste modo, as dificuldades que encontramos todos os dias, inúmeras e necessárias (para isto estamos aqui), serão vencidas com facilidade. Teremos, assim, a força de gerar Cristo em nós e nos outros.

O PRIMOGÊNITO DA NOVA CRIAÇÃO

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Dos Sermões de São Gregório de Nissa, bispo.

Começou o reino da vida e foi dissolvido o império da morte. Apareceu um novo nascimento, uma vida nova, um novo modo de viver; a nossa própria natureza foi transformada. Que novo nascimento é este? É o daqueles que não nasceram do sangue nem da vontade da carne nem da vontade do homem, mas de Deus mesmo (Jo 1,13).

Tu perguntas: como isto pode acontecer? Escuta-me, vou te explicar em poucas palavras.

Este novo ser é concebido pela fé; é dado à luz pela regeneração do batismo; tem por mãe a Igreja que o amamenta com sua doutrina e tradições. Seu alimento é o pão celeste; sua idade adulta é a santidade; seu matrimônio é a familiaridade com a sabedoria; seus filhos são a esperança; sua casa é o reino; sua herança e riqueza são as delícias do paraíso; seu fim não é a morte, mas aquela vida feliz e eterna que está preparada para os que dela são dignos.

Este é o dia que o Senhor fez para nós (Sl 117,24), dia muito diferente daqueles que foram estabelecidos desde o início da criação do mundo e que são medidos pelo decurso do tempo. Este dia é o início de uma nova criação. Nele Deus faz um novo céu e uma nova terra, como diz o Profeta. Que céu é este? Seu firmamento é a fé em Cristo. E que terra é esta? O coração bom, de que fala o Senhor, é a terra que absorve a água das chuvas e produz frutos em abundância.

O sol desta nova criação é uma vida pura; as estrelas são as virtudes; a atmosfera é um comportamento digno; o mar é a profundidade da riqueza, da sabedoria e da ciência (Rm 11,33). As ervas e as sementes são a boa doutrina e a Escritura divina, onde o rebanho, isto é, o povo de Deus, encontra sua pastagem e alimento; as árvores frutíferas são a prática dos mandamentos.

Neste dia, o verdadeiro homem é criado à imagem e semelhança de Deus. Não é, porventura, um novo mundo que começa para ti neste dia que o Senhor fez? Não diz o Profeta que esse dia e essa noite não têm igual entre os outros dias e noites?

Mas ainda não explicamos o dom mais precioso que recebemos neste dia de graça. Ele destruiu as dores da morte e deu à luz o primogênito dentre os mortos.

Subo para junto do meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus (Jo 20,17), diz o Senhor Jesus. Que notícia boa e maravilhosa! O Filho Unigênito de Deus, que por nós se fez homem, a fim de nos tornar seus irmãos, apresenta-se como homem diante de seu verdadeiro Pai, para levar consigo todos os novos membros da sua família.

O que a oração pede, o jejum o alcança e a misericórdia o recebe

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Dos Sermões de São Pedro Crisólogo, bispo.

Há três coisas, meus irmãos, três coisas que mantêm a fé, dão firmeza à devoção e perseverança à virtude. São elas a oração, o jejum e a misericórdia. O que a oração pede, o jejum alcança e a misericórdia recebe. Oração, misericórdia, jejum: três coisas que são uma só e se vivificam reciprocamente.

O jejum é a alma da oração e a misericórdia dá vida ao jejum. Ninguém queira separar estas três coisas, pois são inseparáveis. Quem pratica somente uma delas ou não pratica todas simultaneamente, é como se nada fizesse. Por conseguinte, quem ora também jejue; e quem jejua, pratique a misericórdia. Quem deseja ser atendido nas suas orações, atenda as súplicas de quem lhe pede; pois aquele que não fecha seus ouvidos às súplicas alheias, abre os ouvidos de Deus às suas próprias súplicas.

Quem jejua, pense no sentido do jejum; seja sensível à fome dos outros quem deseja que Deus seja sensível à sua; seja misericordioso quem espera alcançar misericórdia; quem pede compaixão, também se compadeça; quem quer ser ajudado, ajude os outros. Muito mal suplica quem nega aos outros aquilo que pede para si.

Homem, sê para ti mesmo a medida da misericórdia;deste modo alcançarás misericórdia como quiseres, quanto quiseres e com a rapidez que quiseres; basta que te compadeças dos outros com generosidade e presteza.

Peçamos, portanto, destas três virtudes – oração,jejum, misericórdia – uma única força mediadora junto de Deus em nosso favor; sejam para nós uma única defesa, uma única oração sob três formas distintas.

Reconquistemos pelo jejum o que perdemos por não saber apreciá-lo; imolemos nossas almas pelo jejum, pois nada melhor podemos oferecer a Deus como ensina o Profeta: Sacrifício agradável a Deus é um espírito penitente; Deus não despreza um coração arrependido e humilhado (cf. Sl 50,19).

Homem, oferece a Deus a tua alma, oferece a oblação do jejum, para que seja uma oferenda pura, um sacrifício santo, uma vítima viva que ao mesmo tempo permanece em ti e é oferecida a Deus. Quem não dá isto a Deus não tem desculpa, porque todos podem se oferecer a si mesmos.

Mas, para que esta oferta seja aceita por Deus, a misericórdia deve acompanhá-la; o jejum só dá frutos se for regado pela misericórdia, pois a aridez da misericórdia faz secar o jejum. O que a chuva é para a terra, é a misericórdia para o jejum. Por mais que cultive o coração, purifique o corpo, extirpe os maus costumes e semeie as virtudes, o que jejua não colherá frutos se não abrir as torrentes da misericórdia.

Tu que jejuas, não esqueças que fica em jejum o teu campo se jejua a tua misericórdia; pelo contrário, a liberalidade da tua misericórdia encherá de bens os teus celeiros. Portanto, ó homem, para que não venhas a perder por ter guardado para ti, distribui aos outros para que venhas a recolher; dá a ti mesmo, dando aos pobres, porque o que deixares de dar aos outros, também tu não o possuirás.

A PURIFICAÇÃO ESPIRITUAL POR MEIO DO JEJUM E DA MISERICÓRDIA

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Dos Sermões de São Leão Magno, papa.

Em todo tempo, amados filhos, a terra está repleta da misericórdia do Senhor (SI 32,5). À própria natureza é para todo fiel uma lição que o ensina a louvar a Deus, pois o céu, a terra, o mar e tudo o que neles existe proclamam a bondade e a onipotência de seu Criador; e a admirável beleza dos elementos postos a nosso serviço requer da criatura racional uma justa ação de graças.

O retorno, porém, desses dias que os mistérios da salvação humana marcaram de modo mais especial e que precedem imediatamente a festa da Páscoa, exige que nos preparemos com maior cuidado por meio de uma purificação espiritual.

Na verdade, é próprio da solenidade pascal que a Igreja inteira se alegre com o perdão dos pecados. Não é apenas nos que renascem pelo santo batismo que ele se realiza, mas também naqueles que desde há muito são contados entre os filhos adotivos.

É, sem dúvida, o banho da regeneração que nos torna criaturas novas; mas todos têm necessidade de se renovar a cada dia para evitarmos a ferrugem inerente à nossa condição mortal, e não há ninguém que não deva se esforçar para progredir no caminho da perfeição; por isso, todos sem exceção, devemos empenhar-nos para que, no dia da redenção, pessoa alguma seja ainda encontrada nos vícios do passado.

Por conseguinte, amados filhos, aquilo que cada cristão deve praticar em todo tempo, deve praticá-lo agora com maior zelo e piedade, para cumprir a prescrição, que remonta aos apóstolos, de jejuar quarenta dias, não somente reduzindo os alimentos, mas sobretudo abstendo-se do pecado.

A estes santos e razoáveis jejuns, nada virá juntar-se com maior proveito do que as esmolas. Sob o nome de obras de misericórdia, incluem-se muitas e louváveis ações de bondade; graças a elas, todos os fiéis podem manifestar igualmente os seus sentimentos, por mais diversos que sejam os recursos de cada um.

Se verdadeiramente amamos a Deus e ao próximo, nenhum obstáculo impedirá nossa boa vontade. Quando os anjos cantaram: Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade (Lc 2,14), proclamavam bem-aventurado, não só pela virtude da benevolência mas também pelo dom da paz, todo aquele que, por amor, se compadece do sofrimento alheio.

São inúmeras as obras de misericórdia, o que permite aos verdadeiros cristãos tomar parte na distribuição de esmolas, sejam eles ricos, possuidores de grandes bens, ou pobres, sem muitos recursos. Apesar de nem todos poderem ser iguais na possibilidade de dar, todos podem sê-lo na boa vontade que manifestam.

Possuímos inata capacidade de amar

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Da Regra mais longa, de São Basílio Magno, bispo.

O amor de Deus não é matéria de ensino nem de prescrições. Não aprendemos de outrem a alegrar-nos com a luz, ou a desejar a vida, ou a amar os pais ou educadores. Assim – ou melhor, com muito mais razão –, não se encontra o amor de Deus na disciplina exterior. Mas, quando é criado, o ser vivo, isto é, o homem, a força da razão foi, como semente, inserida nele, uma força que contém em si a capacidade e a inclinação de amar. Logo que entra na escola dos divinos preceitos, o homem toma conhecimento desta força, apressando-se em cultivá-la com ardor, nutri-la com sabedoria e levá-la à perfeição, com o auxílio de Deus.

Sendo assim, queremos provar vosso empenho em atingir este objetivo. Pela graça de Deus e contando com as vossas preces, nós nos esforçaremos, segundo a capacidade dada pelo Espírito Santo, por suscitar a centelha do amor divino escondida em vós.

Antes de mais nada, nós dele recebemos antecipadamente a força e a capacidade de pôr em prática todos os mandamentos que Deus nos deu. Por isso não nos aflijamos como se nos fosse exigido algo de incomum, nem nos tornemos vaidosos pensando que damos mais do que havíamos recebido. Se usarmos bem destas forças, levaremos uma vida virtuosa; no entanto, mal empregadas, cairemos no pecado.

Ora, o pecado se define como o mau uso, o uso contrário à vontade de Deus daquilo que ele nos deu para o bem. Pelo contrário, a virtude, como Deus a quer, é o desenvolvimento destas faculdades que brotam da consciência reta, segundo o preceito do Senhor.

O mesmo diremos da caridade. Ao recebermos o mandamento de amar a Deus, já possuímos capacidade de amar, plantada em nós desde a primeira criação. Não há necessidade de provas externas: cada qual por si e em si mesmo pode descobri-la. De fato, nós desejamos, naturalmente, as coisas boas e belas, embora, à primeira vista, algumas pareçam boas e belas a uns e não a outros. Amamos também, sem ser necessário que nos ensinem nossos parentes e amigos e temos espontaneamente grande amizade por nossos benfeitores.

O que haverá, pergunto então, de mais admirável do que a beleza divina? Que coisa pode haver mais suave e deliciosa do que a meditação da magnificência de Deus? Que desejo será mais veemente e violento do que aquele inserido por Deus na alma liberta de toda impureza e que lhe faz dizer do fundo do coração: Estou ferida de amor? É na verdade totalmente indescritível o fulgor da beleza de Deus.

Para mim, viver é Cristo e morrer é lucro

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Das Homilias de São João Crisóstomo, bispo.

Sobrevêm muitas ondas e fortes tempestades, mas não tememos afogar, pois estamos firmados sobre a pedra. Enfureça-se o mar, não tem forças para destruir a pedra. Ergam-se as vagas, não podem submergir o navio de Cristo. Pergunto eu: que temeremos? A morte? Para mim, viver é Cristo, e morrer é lucro (Fl 1,21). O exílio talvez, dizes-me? Do Senhor é a terra e tudo quanto contém (Sl 23,1). A confiscação dos bens? Nada trouxemos para o mundo e, é certo, nada daqui poderemos levar (1Tm6,7); os pavores deste mundo são desprezíveis, e seus bens, merecedores de riso. Não tenho medo da pobreza, não ambiciono riquezas; não temo a morte, nem prefiro viver a não ser para vosso proveito. Por isto recordo os acontecimentos atuais e rogo à vossa caridade que tenhais confiança. 

Não escutas o Senhor dizer: Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, estarei ali no meio deles? (Mt 18,20). E onde há tanta gente ligada pelos laços da caridade, não estará ele presente? Tenho seu penhor. Será que confio em minhas próprias forças? Seguro seu testamento. Este é o meu bordão, a minha segurança, o meu porto tranquilo. Abale-se embora o universo, tenho sua resposta, leio os seus escritos: aí está a muralha para mim, a fortaleza. Que escritos? Eu estou convosco todos os dias até a consumação do mundo (Mt 28,20). 

Cristo está comigo, a quem temerei? Mesmo que as ondas, os mares, o furor dos príncipes se agitem contra mim, tudo isto não me impressiona mais do que uma aranha. E se vossa caridade não me retivesse, não recusaria partir ainda hoje mesmo para outro lugar. Repito sempre: Senhor, faça-se a tua vontade (Mt 26,42); não o que quer este ou aquele, mas o que tu queres. Esta é a minha torre, minha pedra imóvel; este, o meu báculo firme. Se Deus quer isto, faça-se. Se quiser que permaneça aqui, agradecerei. Onde quer que me queira, darei graças.  

E onde estou eu, aí estais vós; onde estais, aí eu também: somos um só corpo e não se separa o corpo da cabeça nem a cabeça do corpo. Estamos em lugares distantes, mas unidos na caridade, que nem a morte poderá separar. Porque, embora morra meu corpo, viverá a alma que se lembrará do povo. 

Vós sois meus cidadãos, vós, meus pais, vós, meus irmãos, vós, filhos, vós, membros, vós, corpo. Para mim sois a luz, ou melhor, mais deliciosos que esta luz. O que poderá enviar-me um raio igual à vossa caridade? O raio de sol para mim é vida, porém vossa caridade tece-me a coroa para o futuro.

Com o esplendor da alma, iluminas a graça do teu corpo

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Do livro sobre a virgindade, de Santo Ambrósio, bispo.

Tu, uma dentre o povo, uma da plebe, sem dúvida, uma das virgens que com o esplendor da alma iluminas a graça do teu corpo, – e por isso és uma imagem fiel da Igreja! – em teu leito, durante a noite, medita sempre em Cristo e aguarda sua chegada a todo o momento.

Eis o que  Cristo deseja de ti, eis por que te escolheu. Ele entra, já que a  porta está aberta; não pode faltar, pois prometeu que viria. Abraça aquele que procuravas; aproxima-te dele e serás iluminada; segura-o, roga-lhe que não parta logo, suplica-lhe que não se afaste. Porque o Verbo de Deus corre, não se deixa deter pelo tédio ou por negligência. Que tua alma vá encontrá-lo em sua palavra; segue atentamente a doutrina celeste, porque ele passa depressa.

Que diz a esposa do Cântico dos Cânticos? Procurei-o e não o encontrei; chamei-o e não me respondeu (Ct 5,6). Se partiu tão depressa aquele que chamaste, a quem suplicaste e a quem abriste a porta, jaó julgues ter-lhe desagradado. Muitas vezes ele permite que sejamos postos à prova. Afinal, o que disse no Evangelho às multidões que lhe pediam para não se afastar? Eu devo anunciar a palavra também a outras cidades, porque para isso é que fui enviado (Lc 4,43). Mas, se te parece que se afastou de ti, sai e procura-o novamente.

Quem deve te ensinar como reter o Cristo, senão a santa Igreja? Ou melhor, já ensinou, se compreenderes o que lês: Mal eu passei pelos guardas, diz, encontrei aquele que meu coração ama; retive-o e não o deixarei partir (Ct 3,4).

Com que laços se retém o Cristo? Não é com laços de injustiça nem com nós de corda, mas com laços da caridade, com as rédeas do espírito e pelo afeto da alma.

Se queres também reter o Cristo, tenta fazê-lo e não tenhas medo dos sofrimentos. Pois, não raro, é no meio dos suplícios do corpo, nas mãos dos perseguidores, que o encontramos mais facilmente.

Mal eu passei pelos guardas, diz. De fato, num breve espaço de tempo, num instante, ao te livrares das mãos dos algozes, sem sucumbir aos poderosos do mundo, Cristo virá ao teu encontro e não mais permitirá que se prolongue o teu sofrimento.

Aquela que assim busca a Cristo e o encontra pode dizer: Retive-o e não o deixarei partir, até que tenha introduzido na casa de minha mãe, no quarto daquela que me concebeu (Ct 3,4). Qual é a casa de tua mãe e o quarto senão a intimidade mais profunda do teu ser?

Guarda bem esta casa, limpa todos os seus recantos. Assim, quando ela não tiver nenhuma mancha, se erguerá como morada espiritual, fundada sobra a pedra angular, para ser um sacerdócio santo, e o Espírito Santo nela habitará.

Aquela que assim busca a Cristo, que assim lhe suplica, não será por ele abandonada; ao contrário, será visitada por ele com frequência, pois está conosco até o fim do mundo.

Vigiai: Cristo virá de novo

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Do Comentário sobre o Diatéssaron, de Santo Efrém, diácono.

Para impedir que os discípulos o interrogassem sobre o momento de sua vinda, disse-lhes Cristo: Aquela hora ninguém a conhece, nem os anjos nem o Filho. Não vos compete saber o tempo e o momento (cf. Mc 13,32-33). Ocultou-nos isso para que ficássemos vigilantes e cada um de nós pudesse pensar que esse acontecimento se daria durante a nossa vida. Se tivesse revelado o tempo de sua vinda, esta deixaria de ter interesse e não seria mais desejada pelos povos da época em que se manifestará. Ele disse que viria, mas não declarou o momento e por isso as gerações e todos os séculos o esperam ardentemente.

Embora o Senhor tenha dado a conhecer os sinais de sua vinda, não se vê exatamente o último deles, pois numa mudança contínua, esses sinais apareceram e passaram e, por outro lado, ainda perduram. Sua última vinda será igual à primeira.

Os justos e os profetas o desejavam, pensando que se manifestaria em seu tempo; do mesmo modo, cada um dos fiéis de hoje deseja recebê-lo em sua época, pois ele não disse claramente o dia em que viria. E isto sobretudo para ninguém pensar que está submetido a uma determinação e hora, ele que domina os números e os tempos. Como poderia estar oculto àquele que descreveu os sinais de sua vinda, o que ele próprio estabeleceu? O Senhor pôs em relevo esses sinais para que, desde o primeiro dia, os povos de todos os séculos pensassem que ele viria no próprio tempo deles.

Permanecei vigilantes porque, quando o corpo dorme, é a natureza que nos domina e nossa atividade é então dirigida, não por nossa vontade, mas pelos impulsos da natureza. E quando a alma está dominada por um pesado torpor, como por exemplo a pusilanimidade ou a tristeza, é o inimigo que a domina e a conduz, mesmo contra a sua vontade. Os impulsos dominam a natureza e o inimigo domina a alma.

Por isso, o Senhor recomendou ao homem a vigilância tanto da alma como do corpo: ao corpo, para que se liberte da sonolência; e à alma, para que se liberte da indolência e pusilanimidade. Assim diz a Escritura: Vigiai, justos (cf. 1Cor 15,34); e também: Despertei e ainda estou contigo (cf. Sl 138,18); e ainda: Não desanimeis (cf. Jo 16,33). Por isso não desanimamos no exercício do ministério que recebemos (2Cor 4,1).

Tiveste sobre mim pensamentos de paz

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Dos livros das Revelações do amor divino, de Santa Gertrudes, virgem.

Que minha alma te bendiga, Senhor Deus, meu criador, e, do mais íntimo de meu ser, louvem-te as tuas misericórdias com que tão gratuitamente me envolveu tua imensa piedade! Dou graças, onde e sempre que posso, à tua infinita misericórdia. Com ela louvo e glorifico tua generosa paciência com que encobriste todos os anos de minha infância e meninice, adolescência e juventude, até perto dos vinte e cinco anos. Anos vividos com tão cega insensatez que, por pensamentos, palavras e atos, fazia sem remorsos, assim me parece agora, tudo o que queria, onde quer que podia. Se não me prevenisses pelo inato horror ao mal e gosto pelo bem, pela exortação exterior das pessoas circunstantes, teria vivido como pagã entre pagãos. Nunca teria, então, entendido que tu, meu Deus, recompensas o bem e castigas o mal. No entanto, desde a infância, isto é, os cinco anos, tu me tinhas escolhido para me admitir entre os mais fiéis dos teus amigos na prática da santa religião.

Por isto, Pai amantíssimo, como reparação, eu te ofereço a paixão de teu dileto Filho, desde a hora em que deu o primeiro vagido, deitado nas palhas da manjedoura, e, em seguida, suportou as fraquezas da infância, os limites da meninice, as adversidades da adolescência e os sofrimentos juvenis, até a hora em que, inclinando a cabeça na cruz, entregou o espírito com um forte grito. Da mesma forma, em satisfação de todas as minhas negligências, ofereço-te, Pai amantíssimo, a mais santa das vidas, perfeitíssima em todos os pensamentos, palavras e atos, a vida de teu Unigênito, desde o instante em que, enviado das alturas do teu trono, entrou em nosso mundo, até depois daquela hora em que apresentou a teus paternos olhos a glória da carne vencedora.

Em ação de graças, mergulhando no profundo abismo da humildade, cubro de louvores tua mais que excelente misericórdia. Ao mesmo tempo adoro a suavíssima benignidade com que tu, Pai das misericórdias, pensaste pensamentos de paz e não de aflição sobre mim que vivia tão desorientada, e com que me exaltarias com a multidão e grandeza de teus benefícios. Acrescentaste ainda para mim o dom da familiaridade inestimável da amizade. De diversos modos me abriste a nobilíssima arca da divindade, quero dizer, teu coração divinizado, para a satisfação de todos os meus desejos.

Além de tudo isto, atraíste minha alma com as promessas tão firmes de benefícios com que queres me cumular na morte e depois da morte. Com toda razão, se não recebesse de ti nenhum outro dom, só por elas o meu coração com viva esperança ansiaria sem cessar por ti.

Não ofereçamos resistência à sua primeira vinda, para não termos de recear a segunda

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Dos Comentários sobre os Salmos, de Santo Agostinho, bispo.

Então todas as árvores das florestas exultarão diante da face do Senhor porque veio, veio julgar a terra (Sl 95,12-13). Veio primeiro e virá depois. Esta sua palavra ressoou pela primeira vez no evangelho: Vereis sem demora o Filho do homem vir sobre as nuvens (Mt 26,64). Que quer dizer: Sem demora? O Senhor não virá depois, quando os povos da terra se lamentarão? Veio primeiro em seus pregadores e encheu o mundo inteiro. Não ofereçamos resistência à primeira vinda, para não termos de recear a segunda.

Que, então, devem fazer os cristãos? Usar do mundo; não servir ao mundo. Como é isto? Possuindo, como quem não possui. O Apóstolo diz: De resto, irmãos, o tempo é breve; que os que têm esposa sejam como se não a tivessem; os que choram, como se não chorassem; os que se alegram, como se não se alegrassem; os que compram, como se não possuíssem; e os que usam do mundo, como se não usassem; pois passa a figura deste mundo. Eu vos quero sem inquietações (1Cor 7,29-32). Quem não tem inquietações, aguarda com serenidade a vinda de seu Senhor. Pois, que amor ao Cristo é esse que teme sua chegada? Irmãos, não nos envergonhamos? Amamos e temos medo de sua vinda. Será que amamos? Ou amamos muito mais nossos pecados? Odiemos, portanto, estes mesmos pecados e amemos aquele que virá castigar os pecados. Ele virá, quer queiramos, quer não. Se ainda não veio, não quer dizer que não virá. Virá em hora que não sabes; se te encontrar preparado, não haverá importância não saberes.

E exultarão todas as árvores das florestas. Veio primeiro; depois virá para julgar a terra; encontrará exultantes aqueles que creram em sua primeira vinda, porque veio.

Julgará com equidade o orbe da terra, e os povos em sua verdade (Sl 95,13). Que significam equidade e verdade? Reunirá junto a si seus eleitos para o julgamento; aos outros separá-los-á dos primeiros; porá uns à direita, outros à esquerda. Que de mais justo, de mais verdadeiro do que não esperarem misericórdia da parte do juiz, aqueles que não quiseram usar de misericórdia antes da vinda do juiz? Quem teve misericórdia, será julgado com misericórdia. Os colocados à direita escutarão: Vinde, benditos de meu Pai, recebei o reino que vos foi preparado desde a origem do mundo (Mt 25,34). E aponta-lhes as obras de misericórdia: Tive fome e me destes de comer, tive sede e me destes de beber etc. (Mt 25,34-46).

Por sua vez, que se aponta aos da esquerda? Sua falta de misericórdia. Para onde irão? Ide para o fogo eterno (Mt 25,41). Esta palavra suscita grande gemido. Que diz outro salmo? Será eterna a lembrança do justo; não temerá escutar palavra má (Sl 111,6-7). Que quer dizer: escutar palavra má? Ide para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos (Mt 25,4). Quem se alegra com a palavra boa, não temerá escutar a má. É esta a equidade, a verdade.

Porque és injusto, não será justo o juiz? Ou porque és mentiroso, não será veraz a verdade? Se queres, porém, encontrar o Misericordioso, sê tu misericordioso antes de sua chegada: perdoa, se algo foi feito contra ti, dá daquilo de que tens em abundância. Donde vem aquilo que dás, não é dele? Se desses do que é teu, seria liberalidade;quando dás do que é dele, é devolução. Que tens que não recebeste? (1Cor 4,7). São estes os sacrifícios mais aceitos por Deus: misericórdia, humildade, louvor, paz, caridade. Ofereçamo-los e com confiança esperaremos a vinda do juiz que julgará o orbe da terra com equidade, e os povos em sua verdade (Sl 95,13).

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