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DÉCIMO TERCEIRO DOMINGO DO TEMPO COMUM (Ano C) – P. Lucas, scj.

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Caros irmãos, na liturgia do décimo terceiro Domingo do Tempo Comum, ano C, Jesus inicia sua subida a Jerusalém, onde cumprirá o seu êxodo (cf. Lc 9,51-62). Imploremos a Graça divina com confiança a fim de seguirmos Cristo até o fim.

Estava chegando o tempo de Jesus ser levado para o céu. Então ele tomou a firme decisão de partir para Jerusalém” (Lc 9,51). Com esse versículo, acontece uma virada na narrativa de S. Lucas: depois de seu ministério na Galileia, no qual Jesus se revela e é reconhecido como o Cristo de Deus (cf. Lc 9,20), Ele inicia a sua subida que, pela cruz que enfrentará em Jerusalém, o levará aos céus. Ora, também os que o seguem precisam tomar uma decisão de fazê-lo plenamente, pois o caminho do seu seguimento é exigente (cf. Lc 9 23-24).

Tais exigências se tornam ainda mais claras nas palavras que Jesus dirige a algumas pessoas ao longo do caminho: “As raposas têm tocas e os pássaros têm ninhos; mas o Filho do Homem não tem onde repousar a cabeça”; “Deixa que os mortos enterrem os seus mortos; mas tu, vai anunciar o Reino de Deus”; “Quem põe a mão no arado e olha para trás, não está apto para o Reino de Deus” (Lc 9,58.60.62). O Senhor é sincero ao dizer que não existe descanso nesta vida, pois ela é uma luta contínua; que a relação com Ele deve estar acima de todas as outras, inclusive as mais importantes que podemos construir neste mundo; e que é preciso ter os olhos fixos na meta para não nos desviarmos do caminho. Peçamos-lhe, então, que nos dê força para não esmorecer no Caminho.

Ó Pai, enviai sobre nós o Espírito Santo para que perseveremos na determinada determinação de seguir Teu Filho Jesus Cristo. Maria, Mãe da Igreja, sede nosso auxílio. S. José, protegei-nos contra as ciladas do Inimigo.

Sub tuum præsidium confugimus.
sancta Dei Genitrix:
nostras deprecationes
ne despicias in necessitatibus:
sed a periculis cunctis libera nos semper,
Virgo gloriosa et benedicta.

XIII Domingo do Tempo Comum: Lc 9,51-62 – Fogo do céu já desceu!

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Por Dom André Vital Félix da Silva, SCJ.

O pedido dos discípulos Tiago e João: “Senhor, queres que ordenemos desça fogo do céu para consumi-los?” representa um impulso muito presente no coração de pessoas que diante de um mal recebido, de uma rejeição preconceituosa ou mesmo tendo sofrido uma ofensa sem sentido, acreditam que a melhor forma de fazer justiça é a vingança. Jesus não lhes permite tal atitude irascível. Se o castigo para os maus viesse dos céus, a Terra não existiria mais. Jesus propõe outro caminho para destruir o mal que não significa, em primeiro lugar, a destruição de quem o pratica. A sua morte na cruz testemunha a grande paciência de Deus, que apela para a conversão dos pecadores e não simplesmente determina a sua destruição. Quantos desejavam que Jesus, pregado na cruz, provasse que era o Filho de Deus reagindo com revanchismo a fim de mostrar o seu poder: “Salvou a outros, salve-se a si mesmo”; outros exigiam que descesse da cruz, ou que tivesse um socorro do céu. Porém, a palavra vitoriosa do Pai não foi ordenar a morte de quem matou o seu Filho, mas ressuscitá-lo, pois foi morto injustamente. 

Sem dúvidas, esse é o grande mistério que envolve a fé cristã, e que muitas vezes se torna incompreensível: no lugar de vingança, perdão, pois o “castigo” não é dado por Deus, mas é uma consequência de escolhas arrogantes feitas pelo ser humano.

O evangelho deste XIII Domingo do Tempo Comum está em estreita relação temática com o anúncio que Jesus fez de sua paixão, morte e ressurreição (XII Domingo do Tempo Comum), após a revelação de sua pessoa e missão. Lucas 9,51 apresenta o divisor de águas entre a missão de Jesus na Galileia e a sua subida para Jerusalém, onde se consumará a missão, coroada pela sua morte e ressurreição. A rejeição por parte dos samaritanos se dá porque percebem que Jesus está se dirigindo para Jerusalém.  Porém, Jesus já tinha sofrido antes rejeição e ameaça de morte, na sua própria aldeia Nazaré: “Expulsaram-no para fora da cidade e o conduziram… com a intenção de precipitá-lo. Ele porém, passando pelo meio deles, prosseguia seu caminho” (Lc 4,29-30). Nem a rejeição em Nazaré nem a dos samaritanos impediram Jesus de realizar a sua missão. Por outro lado, tais circunstâncias prepararam a grande rejeição que acontecerá em Jerusalém: “Eis que estamos subindo para Jerusalém e vai se cumprir tudo o que foi escrito…” (Lc 18,31.32). 

Caminhando rumo a Jerusalém, os discípulos devem aprender o caminho do Mestre. Este caminho tem características permanentemente válidas para toda pessoa que  decide palmilhar a estrada de Jesus. Ainda que incompreensíveis e, muitas vezes, irracionais, a rejeição e a perseguição da fé cristã é uma constante ao longo da história. Contudo, a experiência de fé tem provado, a começar pelo próprio Jesus, o Mártir fiel, que a rejeição não impede nem destrói a força dos caminhantes. Porém, é preciso ter convicção disso, e tomar a resolução de dar passos firmes e corajosos como o próprio Senhor: “Ele tomou resolutamente o caminho de Jerusalém” (no grego: to prosopon estérisen: o rosto endureceu, fixou). A fé cristã é força para caminhar, mesmo entre as adversidades, e não câmera de segurança para nos advertir dos perigos nem colete à prova de bala para nos safar da morte. Quem se apoia nessas seguranças não precisa de fé, basta a sorte. Pois a sorte pode livrar do tiro, mas não da morte, enquanto a fé garante a vida que não morre.

Os discípulos pedem a permissão de Jesus para fazer descer fogo do céu. Talvez o fogo destruísse alguns samaritanos que rejeitaram acolher Jesus e os seus, mas não seria capaz de fazer o evangelho se alastrar alcançando corações e provocando mudança de vida (conversão). Por isso, Jesus não permite; porém, como João Batista já havia anunciado, Jesus é o Messias que “batizará com o Espírito Santo e fogo” (Lc 3,17). Mais adiante, é o próprio Jesus quem declarará: “Eu vim trazer fogo à terra, e como desejaria que já estivesse aceso!” (Lc 12,49). E aqui mais uma vez relaciona-se o fogo com o batismo, que representa a sua morte e ressurreição, e, consequentemente, com a descida do Espírito Santo em Pentecostes. 

Três atitudes testemunham que este fogo trazido por Jesus está queimando. Antes de tudo, a adesão ao seu estilo de vida: “as raposas têm tocas, os pássaros do céu, ninhos; mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça”; depois, o reconhecimento da primazia do Reino de Deus, até mesmo diante dos laços mais sagrados do ser humano: “Permite-me primeiro enterrar meu pai”, “permite-me primeiro despedir-me dos que estão em minha casa”; e, por fim, a decisão de assumir o destino do Mestre, seguir olhando para frente, o que exige perseverança e fidelidade, pois “Quem põe a mão no arado e olha para trás não é apto para o Reino de Deus”. Os discípulos de ontem e de hoje são chamados para o anúncio do Reino de Deus que, por sua vez, não se faz com o fogo que destrói os pecadores, mas com o fogo do Espírito que aquece o coração, queima o pecado e produz conversão.

Fonte: https://www.dehonianosbre.org.br/homilias/xiii-domingo-do-tempo-comum–lc-9-51-62–fogo-do-ceu-ja-desceu-

Solenidade do Sagrado Coração de Jesus: Lc 15,3-7 – Só se arrisca quem sabe o valor que tem

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Por Dom André Vital Félix da Silva, SCJ.

A Solenidade do Sagrado Coração de Jesus não é uma festa particular de um determinado grupo motivado por uma bela devoção, mas este culto ao Coração de Jesus é expressão genuína de fé no amor de Deus para com o seu povo. Pois o Coração de Cristo é símbolo de um amor sem reservas, capaz de dar a vida; é expressão de um Deus misericordioso que vem à procura do pecador para salvá-lo custe o que custar.

A Liturgia da Palavra do Ano C ressalta as atitudes características desse amor misericordioso expressas na figura do Pastor que alivia o sofrimento, tem compreensão, age com compaixão, amabilidade e ternura (1ª Leitura).

Sem dúvida, uma das imagens simbólicas mais fortes no Novo Testamento para falar do múnus de Jesus de único mediador e salvador é o pastor. Além de ser rica de significados e associações no Novo Testamento, evoca também uma longa e significativa tradição já presente no Antigo Testamento, onde a figura do Pastor foi utilizada tanto na literatura sapiencial (Sl 22) como na Tradição profética (Ezequiel) para falar de Deus na sua solicitude para com o seu povo. Essa imagem do pastor perpassa toda a Escritura, do Gênesis ao Apocalipse. As raízes de Israel (Abraão e Sara, Isaac e Rebeca, Jacó, Lia e Raquel) eram pastores; viviam sob tendas e se deslocavam de acordo com as exigências e necessidades do rebanho. Mergulhados na própria experiência, descobriam que Deus agia com eles como um bom pastor, vigia atento e amoroso.

É a partir dessa experiência dos pastores de Israel que se passa a descrever o comportamento de Deus, o seu cuidado e solicitude para com o seu povo. É um Deus-pastor porque guia, nutre, defende, faz-se companheiro no caminho. É nesse horizonte religioso, nas suas várias dimensões (sociológica, política e cultural), que se insere a experiência por excelência do cuidado e do compromisso de Deus: o Êxodo, que não é apenas saída da casa da escravidão, mas também um longo processo de mudança do coração, através da experiência da travessia do deserto rumo à Terra prometida. 

A primeira vez que a Bíblia chama Deus de Pastor é em Gn 48,15s. Jacó, a essas alturas velho, experiente, desce ao Egito com os seus filhos para lá sobreviver por causa da fome, e abençoa os dois filhos de José, nascidos no Egito: “Que o Deus diante de quem caminharam meus pais Abraão e Isaac, que o Deus que foi meu pastor desde que eu vivo até hoje…”  Jacó declara que Deus foi para ele sempre um pastor, um companheiro de viagem (cf. Gn 28,15).

Ainda que no evangelho de hoje Jesus não atribua diretamente a si a imagem do pastor, as suas atitudes, sobretudo para com os publicanos e pecadores, revelam o seu coração de pastor, pois evidenciam as marcas fundamentais do seu ser e agir. A lógica do amor supera a lógica da razão: “Se um de vós tem cem ovelhas e perde uma, não deixa as noventa em nove no deserto e vai atrás daquela que se perdeu até encontrá-la?” Diante dessa pergunta, o bom senso responderia não, pois colocar em risco noventa e nove por causa de uma não tem sentido. Ademais, não é possível admitir de forma absoluta a finalidade da busca: “até encontrá-la”; talvez não aconteça. Contudo, o pastor se rege pela lógica do amor gratuito. Cada ovelha é mais do que um número contabilizado; é uma realidade singular com a qual se estabelece uma relação de valor incalculável, não garante dividendos, mas alegria que transcende pessoas, situações, circunstâncias, pois alcança o céu. A própria experiência humana tem provado que não e possível contabilizar as pessoas que consideramos importantes e que amamos. Mesmo que sejam muitas, elas serão sempre singulares no nosso relacionamento, cada uma vale por si, não dependerá de um conjunto para ser mais ou menos importante. Assim é cada ser humano para o coração de Deus. Não somos elementos somados, mas filhos relacionados. 

Por causa de uma certa presunção (pelagianismo), somos tentados a pensar que o sujeito da nossa conversão somos nós mesmos, que quando tomando consciência do nosso pecado, fazemos um esforço para mudar. Contudo, a parábola de hoje nos apresenta uma outra lógica, isto é, o protagonista da conversão não é o pecador, a ovelha perdida, pois sozinha no deserto não é capaz de retomar o caminho de volta. Mas é o pastor que a ama verdadeiramente, que vai ao seu encontro, que a busca sem se cansar, que se torna o sujeito imprescindível para o reencontro. Coloca-a nos ombros não para obrigá-la a voltar, mas porque, certamente por ter se desencaminhado, está ferida e, por si só, não pode caminhar. Não a coloca nos ombros para tirar-lhe a liberdade de voltar ou não, mas para garantir-lhe reencontrar o caminho para a vida. 

O Coração traspassado de Jesus que hoje contemplamos de modo particular é o coração do bom pastor que teve também seu ombro ferido ao carregar a cruz. É nesse coração e nesses seus ombros de Pastor, feridos por amor, que encontramos o caminho para a verdadeira conversão, fonte e garantia de alegria que transborda para a eternidade. Não se fala da alegria da ovelha, mas do pastor que compartilha com vizinhos e amigos. Contudo, só no final do capítulo, poderemos perceber que tudo aquilo que é de Deus é também para os seus filhos (“Filho, tu estás sempre comigo, e tudo o que é meu é teu” 15,31). Por conseguinte, a alegria do pastor é também a da ovelha, mas se estiver nos seus ombros e no seu coração.

Fonte: https://www.dehonianosbre.org.br/homilias/solenidade-do-sagrado-coracao-de-jesus–lc-15-3-7–so-se-arrisca-quem-sabe-o-valor-que-tem

DÉCIMO SEGUNDO DOMINGO DO TEMPO COMUM (Ano C) – P. Lucas, scj

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Caros irmãos, a liturgia do décimo segundo Domingo do Tempo Comum, ano C, apresenta, para nossa oração e reflexão, o trecho do Evangelho segundo S. Lucas no qual Jesus nos convida ao Seu seguimento depois de ter sido reconhecido por S. Pedro (cf. Lc 9,18-24). Abramos nosso coração ao Cristo para acolhê-lo como nosso Senhor e Deus.

Jesus pergunta a seus discípulos “Quem diz o povo que eu sou?” (Lc 9,18) e recebe diversas respostas positivas, mas incompletas. De fato, a multidão o considerava um grande profeta. Porém, Ele não é só um profeta. E, por isso, pergunta: “E vós, quem dizeis que eu sou?”; S. Pedro responde com uma profissão de fé: “O Cristo de Deus” (Lc 9,20). Nesta resposta, podemos reconhecer, com o auxílio do espírito de graça e de oração prometido (cf. Zc 12,10 – primeira leitura), a fé que professamos na Igreja, ou seja, que Jesus é o Cristo, o Filho do Deus vivo e verdadeiro. Em outras palavras, contra toda forma de relativismo, reconhecemos Jesus como Deus que, por amor a nós e para a nossa salvação, se fez homem e se entregou à morte.

Reconhecendo-o como tal, somos, por Ele, chamados ao seguimento que, pelo caminho da cruz, nos levará à vida eterna: “Se alguém me quer seguir, renuncie a si mesmo, tome sua cruz cada dia, e siga-me” (Lc 9,23). Portanto, somos chamados a uma glória que não é mundana e passageira. Por isso, não nos escandalizamos com o mal que ainda se encontra no nosso coração e no mundo, pois sabemos que, aqui, entre luz e trevas, somos peregrinos em busca da vida que não passa. Assim, revestidos de Cristo (cf. Gl 3,27 – segunda leitura), busquemos perseverar no caminho do Senhor, firmes na esperança que Ele nos dá.

Ó Pai, dá-nos o Espírito Santo para que nossa fé em Teu Filho Jesus Cristo não desfaleça. Maria, Mãe de Deus e nossa, ajuda-nos a dizer sim a Deus. S. José, nosso protetor, guia-nos à intimidade com Jesus.

Sub tuum præsidium confugimus.
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XII Domingo do Tempo Comum: Lc 9,18-24 – Uma pergunta que só Ele responde!

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Por Dom André Vital Félix da Silva, SCJ.

No centro da perícope evangélica deste XII Domingo do Tempo Comum está o primeiro anúncio que Jesus faz da sua Paixão, Morte e Ressurreição (segundo anúncio: Lc 9,44s). Entre a confissão de Pedro e a apresentação das condições para seguir a Jesus, Lucas insere este dado fundamental, pois evidencia quem é Jesus. É a sua identidade que o distinguirá de todas as expectativas messiânicas do tempo. Portanto, Jesus não é um Messias revolucionário, revanchista e dominador. Não é um reformador religioso, que pretende dar retoques na instituição oficial, nem muito menos um agitador do povo para promover uma depredação dos símbolos da tradição religiosa do seu povo. Mas é o servo sofredor que, como cordeiro levado ao matadouro, não abriu a boca; é o Filho do homem, que pregado na cruz, e não sentado num trono, anunciará que o Reino de Deus se consolida à medida que se exerce a autoridade de um modo novo e, por conseguinte, legítimo, isto é, o serviço: “Estou no meio de vós como aquele que serve” (Lc 22,27).

A pergunta que Jesus dirige aos discípulos, em dois tempos, não indica uma ignorância em relação à opinião do povo e dos seus discípulos sobre si, mas é uma forma didática (pergunta retórica) utilizada pelo Mestre para que os próprios discípulos sejam instruídos de forma correta e coerente sobre a identidade Daquele cujo caminho e destino eles são chamados a assumir. A resposta do povo (Elias, João Batista, um dos antigos profetas que ressuscitou) exclui a possibilidade de reconhecer Jesus como o Messias (o Cristo) de Deus; no máximo, Ele é visto como um profeta que antecede a chegada daquele Messias esperado por Israel, projetado de acordo com os interesses e expectativas de cada grupo. Reconhecer Jesus apenas como um dos profetas ou mesmo como um sábio é fechar-se à novidade trazida por Ele, ou seja, a salvação. Diante dessa visão reducionista da sua pessoa e missão, Ele mesmo denuncia: “Aqui está alguém maior do que Salomão (sábio), aqui está alguém maior do que Jonas (profeta)” (Lc 11,31.32). Por outro lado, a resposta dos discípulos (Pedro): “O Cristo de Deus”, apesar de ser correta teoricamente, ainda não é completa, pois só na cruz não haverá mais ambiguidade em relação ao verdadeiro Messias: “O centurião, vendo o que acontecera, glorificava a Deus, dizendo: ‘Realmente, este homem era justo’” (Lc 23,47). Por isso, “Jesus lhes proibiu severamente de anunciar isso a alguém”.

A unção (grego: Christos, ungido) de Jesus não se deu por um ritual, como se fazia com reis no Antigo Testamento, mas é ungido porque o “Espírito Santo está sobre Ele, consagrou-o e enviou-o para evangelizar os pobres, proclamar a remissão aos presos, aos cegos a recuperação da vista, a liberdade aos oprimidos e proclamar um ano de graça do Senhor” (Lc 4,16-19). 

Exclusiva de Lucas é a informação de que Jesus fez a pergunta aos discípulos num “certo dia quando orava em particular”. A oração é uma constante na vida de Jesus e Lucas faz questão de evidenciar isto. Portanto, este momento no qual Jesus revela que é o Messias, o servo sofredor, está coerentemente sintonizado com as outras circunstâncias importantes da sua vida, onde o marco referencial é a oração; no Batismo: “No momento em que Jesus, também batizado, achava-se em oração” (Lc 3,21); depois que realizava curas: “Ele, porém, permanecia retirado em lugares desertos, e orava” (Lc 5,16); na escolha dos discípulos: “foi à montanha para orar, e passou a noite inteira em oração a Deus. Depois que amanheceu, chamou os discípulos e dentre eles escolheu doze” (Lc 6,12-13); na Transfiguração: “Tomando consigo Pedro, João e Tiago, subiu à montanha para orar. Enquanto orava…” (Lc 9,28.29); quando ensina a orar: “Estando num certo lugar, orando, ao terminar, um de seus discípulos pediu-lhe: ‘Senhor, ensina-nos a orar” (Lc 11,1); predizendo a negação de Pedro, assegura: “Simão, Simão, eis que Satanás pediu insistentemente para vos peneirar como trigo; eu, porém, orei por ti” (Lc 22,31.32); no Horto das Oliveiras na iminência da sua morte: “Afastou-se deles… e dobrando os joelhos, orava” (Lc 22,41); na cruz ora ao Pai: “Pai, perdoai-lhes: não sabem o que fazem” (Lc 23,35); no reencontro com os discípulos (Emaús), pronuncia a oração de ação de graças (bênção): “Tomou o pão, abençoou-o…” (Lc 24,30); e, por fim, despedindo-se dos seus discípulos, mais uma vez pronuncia a oração de bênção sobre eles (Lc 24,51). 

Portanto, a oração é momento privilegiado para Jesus se revelar, e experiência imprescindível para nós o conhecermos. Fazendo experiência de encontro com Ele, que nos convida a seguir seus passos, assumiremos a sua vida e missão, ainda que devamos perder a vida por causa Dele. É na oração que fazemos o discernimento do chamado. É na oração que encontramos força para renunciar a tudo o que nos impede de segui-lo. É na oração que reconhecemos que a cruz é a verdadeira seta a orientar nossos passos rumo à plenitude de vida.

Fonte: https://www.dehonianosbre.org.br/homilias/xii-domingo-do-tempo-comum–lc-9-18-24–uma-pergunta-que-so-ele-responde-

Solenidade do Corpo e Sangue de Cristo: Lc 9,11b-17 – Eucaristia: o alimento que não se compra

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Por Dom André Vital Félix da Silva, SCJ.

A Solenidade de Corpus Christi reafirma a centralidade do Mistério Pascal celebrado na Eucaristia, que cotidianamente alimenta a Igreja na sua peregrinação rumo ao banquete eterno. Para além de motivações apologéticas ou devocionais, a liturgia de hoje nos convida a mergulhar no Mistério de Deus, que por amor, se faz presente no meio do seu povo para nutri-lo não apenas com um alimento material, mas com a sua própria presença: “Isto é o meu corpo… Isto é o meu sangue”, estabelecendo com ele uma comunhão indestrutível. 

A primeira leitura (Gn 14,18-20) nos apresenta um personagem enigmático: Melquisedec, rei de Salém que, oferecendo pão e vinho a Abrão, torna-se prefiguração do sacrifício de Cristo. Contudo, não só o pão e o vinho apresentados nos remetem à Eucaristia, mas sobretudo as palavras do Rei de Salém confirmam essa prefiguração: “Bendito seja Abrão… Bendito seja o Deus Altíssimo”, pois a palavra utilizada (tanto o verbo quanto o adjetivo: abençoar/bendizer e bendito) traduzem a berakahhebraica que já tinha aparecido na ocasião do chamado de Abrão: “Sai da tua terra… te abençoarei… sê uma bênção… abençoarei…” (Gn 12,1-3). A bênção na tradição bíblica, diferente de muitos contextos pagãos que a consideram como invocação mágica sobre coisas e pessoas a fim de envolvê-los de uma redoma de proteção, é uma declaração de um bem reconhecido e, portanto, testemunhado. O Deus Altíssimo não se tornou bendito após as palavras de Melquisedec, mas palavras da bênção proclamam essa realidade. Abrão não se tornou bendito porque Melquisedec o abençoou, mas porque o próprio Deus o fez. 

A segunda leitura (1Cor 11,23-26) é um dos textos mais antigos do relato da instituição da Eucaristia. São Paulo introduz a sua narração com uma expressão intrigante: “O que recebi do Senhor foi isso que eu vos transmiti”. Todos nós sabemos que Paulo não fez parte do grupo que conviveu com Jesus, nem estava presente na última ceia. Portanto, o que ele recebe pela Tradição da comunidade é verdadeiramente recebido do Senhor. A concepção eclesiológica de Paulo não lhe permite separar a comunidade (Igreja) do seu Senhor. A sua experiência do encontro com o Senhor Ressuscitado no caminho de Damasco (cf. At 9) foi decisivo para que ele entendesse que não existe Igreja (o caminho) sem ser Corpo de Cristo: “Saul, Saul por que me persegues? Ele perguntou: Quem és tu, Senhor? E a resposta: ‘Eu sou Jesus, a quem tu estás perseguindo’”. Objetivamente Paulo não estava perseguindo Jesus, pois estava convencido de que ele havia morrido. Paulo perseguia a comunidade, os que aderiram ao Caminho. Portanto, afirmar que recebeu do Ressuscitado, é a mesma coisa que ter recebido da comunidade. 

A eucaristia para nós não é um rito ou um culto qualquer, mas a memória (tornar presente) da vida, paixão, morte e ressurreição do Senhor: “Todas as vezes, de fato, que comerdes deste pão e beberdes deste cálice, estareis proclamando a morte do Senhor, até que ele venha”. Celebrar a Eucaristia é crescer na consciência da identidade da Igreja; na Eucaristia, a Igreja descobre ainda mais o que ela é. Sem uma permanente e profunda relação com o seu Senhor, a Igreja perderia a sua lucidez não apenas em relação à sua identidade, mas também no que concerne à sua missão no mundo. Diante de tão grande necessidade, o próprio Senhor não apenas realiza a Eucaristia, mas a institui com um mandamento: “Fazei isto em memória de mim”. A Eucaristia não é uma opção entre outras de culto, mas exigência para quem ama e acredita no Senhor e na sua palavra: “Quem me ama guardará a minha palavra” (Jo 14,23). O evangelho deste ano C é uma releitura da multiplicação dos pães e peixes à luz da experiência eucarística. O evangelista não pretende reproduzir fotograficamente o milagre, mas apresentar alguns elementos que prefiguram o que mais tarde será o memorial da presença do Senhor, uma vez que quando o evangelho foi escrito a celebração eucarística já era uma constante na comunidade. Evidenciam-se na narração 4 gestos que constituem essencialmente o rito eucarístico: Jesus tomou… abençoou-os… partiu e deu, assim como fez o Senhor na última ceia ao instituir o seu memorial. 

Recebendo do Senhor isto que ele fez, a Igreja ao longo da sua história atualiza esses gestos que se realizam de forma muito clara durante a celebração (tomar: apresentação das ofertas; dar graças: a oração eucarística; partir: fração do pão acompanhada pela litania do cordeiro de Deus; dar: a comunhão).

A celebração de hoje vai para além de uma simples devoção eucarística, mas nos coloca diante do grande desafio lembrado por Bento XVI: reconhecer a Eucaristia como fonte e ápice da vida e da missão da Igreja (cf. Sacramentum Caritatis), partindo da fé, pois a Eucaristia é mistério acreditado; nutrindo-se desse mistério ao celebrá-lo, e assumindo as suas consequências, pois a Eucaristia é mistério a ser vivido.

Fonte: https://www.dehonianosbre.org.br/homilias/solenidade-do-corpo-e-sangue-de-cristo–lc-9-11b-17–eucaristia–o-alimento-que-nao-se-compra

SOLENIDADE DA SANTÍSSIMA TRINDADE (Ano C)

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Caros irmãos, retomamos o tempo comum e, neste domingo, celebramos a solenidade da Santíssima Trindade, o mistério de Deus. A liturgia, então, no ano C, nos leva a rezar com a promessa do Filho de nos dar o Espírito da Verdade que nos levará a conhecer tudo o que é do Pai (cf. Jo 16,12-15). Deixemo-nos atrair pelo insondável mistério do Amor.

Com o Pentecostes, revela-se plenamente à humanidade o mistério do Deus vivo e verdadeiro, Pai e Filho e Espírito Santo. De fato, Deus se manifestou já na obra da criação, como ouvimos na primeira leitura, na qual a Sabedoria age como a arquiteta da criação (cf. Pr 8,22-31). Mas a Revelação da intimidade divina se deu de modo mais profundo quando a Sabedoria, a Palavra de Deus, que é Seu Filho, se fez carne e, levando à plenitude a Sua obra redentora, derramou o Espírito Santo em nosso coração. Assim, com a promessa de nos enviar o Espírito da Verdade (cf. Jo 16,13), nosso Senhor nos abre as portas não só para contemplar o mistério do Amor que é a Trindade, mas também para termos acesso à comunhão com tal Mistério.

Dessa forma, vemos que a manifestação mais extraordinária do mistério divino é a santidade, pois ela nos faz participar da vida divina. É o que ouvimos na segunda leitura: “Justificados pela fé, estamos em paz com Deus, pela mediação do Senhor nosso, Jesus Cristo. Por ele tivemos acesso, pela fé, a esta graça, na qual estamos firmes e nos gloriamos, na esperança da glória de Deus” (Rm 5,1-2). Irmãos, como não cantar de alegria com o salmista: ó Senhor, nosso Deus, como é grande vosso nome por todo universo? Como não louvar a Misericórdia que quis associar nossa pobreza à Sua Majestade? Abramo-nos, portanto, e deixemo-nos amar e transformar pelo Amor que se derrama em nossos corações.

Ó Pai, enviai sobre nós o Espírito Santo e renovai nosso coração para que sejamos conforme Teu Filho Jesus Cristo. Maria, Mãe da Igreja, sustentai-nos no nosso sim a Deus. S. José, nosso protetor, levai-nos à intimidade com Jesus.

Sub tuum præsidium confugimus.
sancta Dei Genitrix:
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Santíssima Trindade: Jo 16,12-15 – Do Pai pelo Filho no Espírito Santo ao Pai

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Por Dom André Vital Félix da Silva, SCJ.

A Festa de Pentecostes anuncia que toda a obra de Deus no tempo e na história alcançou a sua realização, Mistério realizado pelo Pai através do seu Filho, no Espírito Santo. A Solenidade da Santíssima Trindade, no domingo seguinte a Pentecostes, na dinâmica do Ano Litúrgico, torna-se um momento propício para fazer uma retrospectiva de toda a Obra de Deus, que se revelou como Uno (Antigo Testamento) e Trino (Novo Testamento). Mais do que tentarmos uma explicação do Mistério da Trindade, devemos reconhecer a nossa pequenez diante de tão excelsa realidade. Mais do que buscar encaixá-la na nossa cabeça, deixemo-nos conduzir para o Seu coração, onde devemos mergulhar para encontrar a vida em plenitude. 

A distinção didática das Pessoas Divinas não nos permite separá-las, nem muito menos torná-las uma equipe que se divide para realizar diferentes tarefas. Atribuir a obra da criação somente ao Pai, e a obra da redenção somente ao Filho e, por sua vez, pensar que o Espírito Santo é um personagem que entra em cena apenas para dar acabamento a obras de outros, é cair no erro de pensar Deus segundo os nossos esquemas lineares e perder a oportunidade de participar da vida de Deus que é eterna comunhão e perene movimento de amor.

A Revelação cristã, cujas raízes se encontram na experiência de fé do Povo de Israel, depositário de uma fé histórica, alimentada pela experiência de encontro com o Deus que, mesmo sendo Todo-poderoso e Eterno, ouve o clamor do seu povo e desce para libertá-lo, nos apresenta a grande novidade: Deus é comunhão transbordante, isto é, não é uma realidade de pura transcendência incomunicável nos céus, nem uma simplória imanência panteísta, sem identidade e diluída na terra. 

Reconhecer que Deus é Trindade é reafirmar que essencialmente somos trinitários. Contudo, isto não significa que O fazemos nossa imagem e semelhança, projetando Nele o que percebemos sermos nós, mas descobrimos que se somos trinitários é porque Ele nos fez à sua imagem e semelhança. Pensar a nossa origem prescindindo dessa verdade incontestável, isto é, de que somos um porque somos comunhão de três, é admitir o absurdo e cair no vazio. Começamos a existir como ser humano porque dois humanos se uniram e, portanto, não são mais dois, mas três. Destarte, na origem de cada um, revela-se uma relação trinitária. Cada um de nós é indivíduo (um não dividido), mas também somos pessoas (capazes de relação). Reconhecer e crer na Santíssima Trindade é testemunhar a verdade mais íntima e irrenunciável do ser humano. 

Uma das experiências mais marcantes na vida do ser humano é a sua capacidade irresistível de autocomunicação, pois aí ele afirma a sua identidade, e cura-se da sua tendência egocêntrica, que destrói o seu ser pessoa. A liturgia, sobretudo a escuta da Palavra, nos conduz à experiência do encontro com o Deus vivo que se autocomunica, isto é, não apenas nos informa sobre Si, mas nos conforma a Si. Neste Ano C, contemplamos o Mistério Trinitário que se revela aos homens a fim de que alcancem a verdade: Deus comunica a sua própria vida. Tal revelação trinitária é única, por isso tudo aquilo que o Espírito da verdade comunica, recebeu do Filho e pertence ao Pai.

Contudo, tal revelação do Eterno se dá no tempo, respeitando as suas condições e limites, por isso Jesus afirma: “Tenho ainda muito a vos dizer, mas não podeis agora compreender”. O fato de os discípulos não terem a capacidade atual de compreender o que Jesus tem a dizer não significa que foram privados da revelação ou que a ignorância humana será o eterno empecilho de conhecer a Deus. Se Deus não cabe na cabeça do ser humano, Ele alarga o coração do homem que acolhe a presença do Espírito Santo para aí habitar: “Quando vier o Espírito da Verdade, ele vos conduzirá à verdade plena”.  A verdade não é conhecimento teórico da realidade, uma especulação de como as coisas funcionam, mas a verdade revela-se no encontro com uma Pessoa: “Ele me glorificará porque receberá do que é meu e vos anunciará”. Aquilo que é de Jesus é aquilo que Ele mesmo é: a vida. No início do seu evangelho, João já havia antecipado: “Nele estava a vida e a vida era a luz dos homens” (Jo 1,4). E esta vida é o dom do Pai dado através do Filho: “Ora, a vida eterna é esta: que eles te conheçam a ti, o Deus único verdadeiro e aquele que enviaste, Jesus Cristo” (Jo 17,3). O Espírito Santo atualiza esta verdade em nossos corações e socorre a nossa fraqueza para que acreditemos nela.

Celebrar a Santíssima Trindade é reconhecer que não é suficiente apenas compreendê-La, isto é, ter argumentos para afirmar a sua existência, mas é necessário acima de tudo amá-La, ou seja, estabelecer com Ela relação, a fim de que a vida que Dela promana não se encerre, mas alcance plenitude. 

Reconhecer no Deus Uno e Trino a fonte e a origem da nossa vida é testemunhar que o primeiro e fundamental momento da nossa vida não nos garantiu uma compreensão de que estávamos começando a existir, mas nos proporcionou a experiência de estarmos sendo amados e acolhidos ou rejeitados e excluídos, experiência que marcará toda a nossa existência. Na experiência da Revelação cristã, na relação com Deus, só existe uma possibilidade: o amor que acolhe, pois foi o mesmo que gerou. 

A comunhão da Trindade não é apenas a razão e o ícone para a nossa existência na terra, mas é a realidade em esperança da nossa vida no céu, hoje escondida na eternidade, assim como Ela mesma está escondida no mistério que a envolve. Escondida não para permanecer desconhecida, e ignorada, mas para ser buscada num eterno movimento de amor. Quem ama não desiste de buscar, pois crê que o Amado que se deixa conhecer, se deixa também encontrar, como afirma Santo Agostinho: “Não me prives de ter o que amo, pois tu me deste a capacidade de amar”.

Fonte: https://www.dehonianosbre.org.br/homilias/santissima-trindade–jo-16-12-15–do-pai-pelo-filho-no-espirito-santo-ao-pai

SOLENIDADE DE PENTECOSTES (Ano C) – P. Lucas, scj

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Caros irmãos, o tempo litúrgico da Páscoa chega ao fim com a celebração da solenidade de Pentecostes, cuja liturgia nos leva a rezar, neste ano C, com a promessa feita por Jesus de nos enviar um Paráclito, um Defensor (cf. Jo 14,15-16.23b-26). Com toda confiança, elevemos a Deus nossa voz e imploremos que Ele renove sempre em nós o dom do Espírito Santo.

No dia de Pentecostes, a Páscoa de Cristo se consuma com a efusão do Espírito Santo que se manifesta como Pessoa Divina, revelando plenamente a Santíssima Trindade. Com a vinda do Espírito Paráclito que não cessa (cf. CEC 732-733), a Igreja é vivificada da mesma forma que acontece quando um corpo é unido à sua alma. E nós, que somos membros da Igreja, pela ação do mesmo Espírito, somos constituídos na dignidade de filhos de Deus de tal modo que nos tornamos co-herdeiros de Cristo: “se sofremos com ele, é para sermos também glorificados com ele” (cf. Rm 8,17 – segunda leitura).

Assim, suplicamos hoje que venha sobre nós o Espírito Santo como no dia de Pentecostes para que sejamos iluminados pela sua luz, purificados pelo seu calor e impulsionados pelo seu sopro. Desse modo, esperamos que a nossa vida seja renovada e nos tornemos – sempre e em todo lugar – testemunhas do amor de Deus manifestado em nosso Senhor Jesus Cristo. Abramo-nos, portanto, para receber o Amor que une o Pai e o Filho para que, unidos à Trindade por sua misericórdia, estejamos também unidos na caridade aos nossos irmãos.

Enviai, ó Pai, o Espírito Santo, renovai nosso coração para que estejamos sempre mais unidos a Teu Filho Jesus Cristo. Maria, Mãe da Igreja, ensinai-nos a dizer sim a Deus. S. José, esposo da Virgem, rogai por nós.

Regina Cæli, lætare, alleluia;
Quia quem meruisti portare, alleluia;
Resurrexit, sicut dixit, alleluia;
Ora pro nobis Deum, alleluia.

Pentecostes: Jo 20,19-23 – A Páscoa apenas começou…

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Por Dom André Vital Félix da Silva, SCJ.

A Solenidade de Pentecostes não é apenas uma simples conclusão do Tempo Pascal, mas tem caráter profético, ou seja, anuncia que a Páscoa do Senhor não se encerra, pois é constantemente atualizada na Igreja pela ação do Espírito Santo, o principal dom concedido na ressurreição e confirmado no Pentecostes. Durante esses cinquenta dias de Páscoa, não fizemos um percurso de distanciamento do evento morte-ressurreição do Senhor, mas pelo contrário, temos sido conduzidos pedagogicamente à sua dimensão mais profunda: os efeitos da ressurreição do Cristo-cabeça em nós, membros do seu Corpo. Por ser fonte e ápice de toda a vida cristã, o Mistério Pascal não se encerra num tempo, mas abrevia-se no tempo para podermos mergulhar nele e sermos inundados por ele: a primordial obra do Espírito Santo. 

A perícope do evangelho de hoje nos remete ao início do tempo cuja conclusão cronológica estamos recordando hoje: “Ao anoitecer daquele primeiro dia da semana”. É o mesmo texto proclamado na Oitava da Páscoa (excetuando-se os versículos 24-31: o encontro com Tomé). Portanto, não estamos no fim, pois o dom do Espírito não nos é dado no fim, mas marca definitivamente todo começo do agir de Deus. Celebrar o Pentecostes é reconhecer que um novo começo está se realizando. A revelação bíblica testemunha, em várias passagens, que a presença do Espírito assinala sempre o irromper de um princípio (grego: arché, fundamento, começo, início). Superando uma tendência reducionista de conceber o tempo como quantidade (aspecto cronológico), indica um fundamento, algo que nos empurra para além dos limites de tempo e espaço, pois nos mergulha na esperança, na eternidade.

Assim como no primeiro dia da semana, Jesus ressuscitado sopra sobre os discípulos e lhes diz “Recebei o Espírito Santo”, indicando o início de sua nova presença no mundo (inaugurando a nova criação), também no princípio de tudo “Um vento de Deus(hebraico: Ruah, sopro) pairava sobre as águas” (Gn 1,2) a fim de fecundar e chamar à existência tudo o que há. Assim como antes, “A terra estava sem forma (hebraico: tohu, caos) e vazia (hebraico: bohu, deserto) e as trevas (hebraico: hoshekh, escuridão) cobriam o abismo”, agora Jesus ressuscitado, aparecendo aos discípulos no cenáculo, rompe as trevas da morte. Vale notar que a Bíblia Grega (LXX) traduziu “a terra era sem forma” por “a terra era invisível” (γῆ ἦν ἀόρατος). Tudo isso representa muito bem o que foi a experiência tanto de Maria Madalena, que vai ao sepulcro ainda quando era treva (grego: skotia, escuridão, Jo 20,1), quanto a dos discípulos, que se encontram no anoitecer daquele primeiro dia e, portanto, fazem a experiência da não criação ou do caos original.

Como no princípio tudo é marcado pela Palavra criadora de Deus que chama à existência todas as coisas a começar pela luz (“Faça a luz”), assim o primeiro dia da Nova criação é marcado pelo aparecimento da Luz, não mais como primeira criatura, mas como Aquele que é o “Primogênito de toda criatura, a Imagem do Deus invisível” (Cl 1,15). O próprio Jesus, no evangelho de João, já havia indicado esta nova realidade: “Eu sou a luz do mundo, quem me segue não andará nas trevas, mas terá a luz da vida” (Jo 8,12). Se na primeira criação a ação de Deus é descrita como uma separação (luz-trevas, dia-noite, terra-água, macho-fêmea), isto é, superação do caos (confusão, a falta de identidade dos seres), a nova criação leva à plenitude esta obra iniciada, nela se realizou a grande reconciliação de toda a humanidade e de toda “a criação que em expectativa anseia pela revelação dos filhos de Deus” (Rm 8,19). O dom da paz do Ressuscitado (duas vezes referido nessa perícope) é a grande prova de que a criação alcançou a sua plenitude, pois “Ele é a nossa paz… a fim de criar em si mesmo um só Homem Novo, estabelecendo a paz, e de reconciliar ambos com Deus em um só Corpo, por meio de sua cruz” (Ef 2,14s). Os discípulos ao verem o Senhor, que lhes mostrara as mãos e o lado, exultaram de alegria. A alegria na Bíblia é a manifestação de um bem alcançado, distingue-se de uma simples satisfação ou de prazer momentâneo. A alegria dos discípulos é a alegria que nasce do encontro com o Ressuscitado, cujas marcas da cruz não desapareceram, pois são a comprovação de que não é um outro, mas o mesmo Senhor. Como na primeira criação, Deus viu que tudo que fizera era bom e, portanto, exultava em afirmá-lo (Gn 1,4.10.12.18.21.25.31), assim agora na nova criação, os discípulos veem (mesmo verbo grego na LXX e no evangelho: horao, ver) a obra de Deus realizada e, portanto, a promessa de Jesus se cumpre neles: “Eu vos digo isso para que a minha alegria esteja em vós e vossa alegria seja plena”(Jo 15,11).  

Receber do Ressuscitado o dom do seu Espírito é assumir a sua missão: “Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio”. O Espírito Santo não nos é dado como prêmio por ter realizado algo, nem muito menos um “poder” para realizar coisas extraordinárias em nós, fazendo-nos mais importantes do que os outros nos quais não se evidenciam coisas “espirituais” espetaculares. Mas é força do alto para nos ajudar a realizar a obra da nova criação, continuar no tempo e na história a missão de Jesus: a reconciliação, isto é, o perdão dos pecados, primeiro passo para levar à plenitude a nova criação. 

A Solenidade de Pentecostes não é a festa do padroeiro de um Pentecostalismo aprisionado a sentimentalismos e manifestações pseudorreligiosas extraordinárias, de portas fechadas, só para os iniciados. Mas é a grande convocação para a missão que o Pai confiou ao Filho, abrindo as portas e arregaçando as mangas, sem ter medo de ferir as mãos e o lado, isto é, assumir também as marcas do crucificado.

Fonte: https://www.dehonianosbre.org.br/homilias/pentecostes–jo-20-19-23–a-pascoa-apenas-comecou–