Por Dom André Vital Félix da Silva, SCJ.

O evangelho de hoje nos coloca diante de uma das mais belas comparações que Jesus faz para indicar o seu desejo de estabelecer um relacionamento íntimo e vital com os seus discípulos. Quando Jesus declara ser a Videira Verdadeira, não está apenas indicando uma existência objetiva, mas sublinha uma razão fundamental que justifica a existência e conservação de uma videira, isto é, a produção de frutos, sinal de sua fidelidade a sua natureza mais essencial. 

A metáfora de plantas, árvores, não é uma coisa rara na Bíblia. No Antigo Testamento o povo é muitas vezes comparado a diversas árvores típicas do mundo circunstante. Imagens positivas como: “A vinha do Senhor dos Exércitos é a casa de Israel” (Is 5,7); “Israel era uma vinha exuberante, que dava frutos” (Os 10,1); mas também a comparação pode servir de crítica: “E os farei semelhantes a figos podres que não podem ser comidos, de tão ruins que são” (Jr 29,17). Ademais, o próprio ser humano é comparado a uma árvore: “Ele (o justo) é como uma árvore plantada junto ao ribeiro, dá fruto no tempo devido…” (Sl 1,3). No Novo Testamento, também encontramos Jesus ilustrando seus ensinamentos com essa metáfora (figueira Mt 24,32; Lc 13,6-9; 21,29). Judas na sua carta (12) compara os infiéis infiltrados na comunidade cristã a “árvores que no fim do outono não dão fruto…

Sem sombra de dúvida, a imagem da árvore para falar do ser humano e de sua experiência vital é muito profunda, pois como o homem tem seus pés na terra, onde encontra a firmeza para se manter, equilibrar-se, assim também a árvore lança suas raízes na terra para poder crescer. Quanto mais profundas as raízes, mais força de sustentação terá para suportar as intempéries do ambiente. Por isso, o discípulo que vive na superficialidade não terá a seiva suficiente para manter-se vivo e produzir frutos. Apesar de ter os pés na terra por necessidade vital, o ser humano ergue-se projetando-se para o alto, assim também a árvore cresce alcançando as alturas. Com destinos semelhantes, tanto o ser humano como a árvore se perpetuam dando frutos. O discípulo também, no testemunho de vida, através dos frutos, indica a sua íntima relação com o seu Mestre, que se perpetuará para a vida eterna.

Portanto, a alegoria da Videira Verdadeira no ensinamento de Jesus deve ser lida levando em consideração todo esse background.

Ao proclamar-se o “Bom Pastor” (IV Domingo), Jesus transmite a ideia de uma irrenunciável proximidade entre si e as suas ovelhas; agora com a alegoria da Videira Verdadeira, o Senhor evidencia, poderíamos assim dizer, a ligação orgânica e indispensável entre Ele e os seus discípulos. Esse relacionamento não é opcional, mas uma necessidade de quem decidiu segui-lo, pois Ele mesmo declara: “Sem mim nada podeis fazer”.  A preposição “sem” (grego xwris) pode ser traduzida por “fora” (de mim), ou seja, não indica apenas um distanciamento de alguém, mas uma exclusão por opção. Alguém que já vivia na comunhão, na intimidade, mas que por não produzir frutos teve que ser cortado. A exclusão não se dar por motivos arbítrios, simplesmente punitivos, mas como consequência da infidelidade: “Todo ramo em mim que não produz fruto, ele o corta”. Vale salientar que essas palavras de Jesus são dirigidas aos seus discípulos, no cenáculo, a quem o Mestre chamou de “amigos”, portanto já tinham vivido uma certa experiência de proximidade e intimidade com o Senhor. Na iminência da sua morte e ressurreição, o desafio era permanecer unido a Ele: “Aquele que permanece em mim e eu nele produz muito fruto”.

Nos últimos dias de preparação para a Páscoa, dois personagens íntimos de Jesus (Pedro e Judas) apareceram de forma emblemática para ilustrar o ramo que dá fruto e aquele que não produz, portanto é excluído da comunhão e seca. O verbo “cortar” em grego (airw) pode ser traduzido também por “escorar”, o que nos faz pensar que diante da esterilidade de um ramo, a primeira atitude do agricultor, expressão da sua misericórdia, não é decepá-lo imediatamente, mas ajudá-lo para que recupere a sua capacidade de produção, dando-lhe condições para que se erga (Pedro apesar de sua fraqueza, reconheceu sua queda e deixou-se levantar pelo Senhor. Depois de “escorado” foi podado, e assim recuperou a sua capacidade de dar fruto, ou seja, testemunhar inclusive com a morte). 

Mas para dar fruto é preciso que o ramo permaneça na videira, pois “por si mesmo não pode dar fruto” (o que não aconteceu com Judas, pois mesmo estando com Jesus no cenáculo, na intimidade de amigos: “saiu imediatamente. Era noite”, Jo 13,30). A infidelidade de Judas representa a esterilidade do ramo.        

Este tempo da Páscoa nos convida a renovar a experiência de que fomos enxertados em Cristo, pelo Batismo, e alimentados pela sua seiva: a Eucaristia. Na Vigília Pascal entramos nesse longo percurso de 50 dias para, de maneira mais intensa, tomarmos consciência de que somos os ramos dessa Videira Verdadeira. É o momento de fazer ressoar aos nossos ouvidos e corações o desafio do Mestre que nos chama de “seus ramos” com a missão decisiva de produzir frutos para garantir que estamos verdadeiramente ligados a Ele. Os frutos que devemos produzir: reafirmar a nossa condição de discípulos (v. 8), observar seus preceitos (v. 10), comprometer-nos com o amor fraterno (v. 12) e, por fim, assumir a missão apostólica (v. 16). Galhos que não produzem frutos, secam. Discípulos que não estão unidos ao Mestre não dão frutos, portanto, são ramos falsos e, por conseguinte, a videira a que estão ligados não é a verdadeira.

Fonte: https://www.dehonianosbre.org.br/homilias/v-domingo-da-pascoa–jo-15-1-8–fruto–sinal-de-fidelidade-